As polêmicas da região do Tapajós

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O Tapajós fervilha como corredor de escoamento de grãos, além de produtor de energia elétrica
A região de integração Tapajós é considerada estratégica no plano de desenvolvimento nacional

O Pará tem 12 regiões de integração: Araguaia; Baixo Amazonas; Carajás; Guamá; Lago de Tucuruí; Marajó; Metropolitana; Rio Caeté; Rio Capim; Tapajós; Tocantins e Xingu.

O Tapajós fervilha ante as expectativas de se transformar no grande corredor alternativo de escoamento da produção nacional, além de produtor de energia elétrica. Ao mesmo tempo, causa grande inquietação a ausência de garantias de compensações adequadas aos impactos, principalmente sociais e ambientais, que são irreversíveis. O Idesp – Instituto de Desenvolvimento Econômico, Social e Ambiental do Pará acaba de publicar um relatório técnico sobre a região, lançando luz sobre diversas questões que estão em pauta.

O Plano Decenal de Expansão de Energia do Ministério das Minas e Energia prevê, entre 2010 e 2020, investimentos da ordem de R$190 bilhões na construção de pelo menos trinta usinas hidrelétricas no País, e a Amazônia apresenta 66% do potencial hidrográfico a aproveitar para geração de energia, com destaque às bacias hidrográficas dos rios Tocantins, Araguaia, Xingu e Tapajós.

O potencial hidrelétrico da região Norte está estimado em 111.396 MW, quase a metade do brasileiro. No Pará chega a 38,2 mil MW, distribuído entre as principais sub-bacias dos rios Xingu, Tocantins, Itacaiúnas e Tapajós. Nessa perspectiva, a região de integração Tapajós – que compreende os municípios de Aveiro, Itaituba, Jacareacanga, Novo Progresso, Rurópolis e Trairão – é considerada estratégica no plano de desenvolvimento nacional e comporta importantes obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC II), pontua o relatório.

Os primeiros estudos de avaliação do potencial hidrelétrico da bacia do rio Tapajós datam da década de 1970, pelo Ministério de Minas e Energia, quando da descoberta do potencial minerário da região, seguidos de algumas tentativas de realização de inventário hidrelétrico do rio Tapajós e seus afluentes nas décadas de 1980 e 1990, e se tornaram prioridade a partir de 2002. O inventário finalmente foi entregue pela Construções e Comércio Camargo Corrêa S.A., Eletronorte e Consórcio Nacional de Engenheiros Construtores, em junho de 2008, e aprovado pela Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) em maio de 2009.

Estão previstas sete usinas, no âmbito do PAC II: São Luiz do Tapajós (6133 MW); Jatobá (2338 MW) e Chacorão (3336 MW) no rio Tapajós; Cachoeira do Caí (802 MW); Jamanxim (881 MW); Cachoeira dos Patos (528 MW) e Jardim do Ouro (227 MW) no rio Jamanxim, com total da capacidade instalada de 14.245 MW e custo de R$ 40,9 bilhões (US$ 20,76 bilhões). A mais cara seria São Luiz (US$ 9,2 bi), a partir daí, Jatobá (US$ 4 bi), Chacorão (US$ 4,3 bi), Cachoeira do Caí (US$ 1,02 bi), Jamanxim (US$ 984 mi), Cachoeira dos Patos (US$ 751 mi), e Jardim do Ouro (US$ 500 mi). Os estudos de viabilidade dos empreendimentos e de impactos ambientais das UHE-São Luiz do Tapajós e Jatobá já estão em fase de conclusão e elas deverão entrar em funcionamento em 2018 e 2019, respectivamente, salienta o relatório.

As áreas inundadas pelas UHE seriam em total de 3.084,85 Km2, com impactos importantes nas comunidades indígenas. A UHE-São Luiz afetaria as comunidades Munduruku e Apiaká de Pimental, Akaybãe, e Remédio. A UHE-Chacorão inundaria 121,1 Km2 da Terra Indígena Munduruku e as Terras Indígenas Sai Cinza, São Martinho, e Boca do Igarapé Pacu a 2,5 Km da barragem, consideradas diretamente atingidas.

Nesse contexto, o Governo do Pará, através do Idesp, propõe que para os projetos de investimento na Amazônia seja definido um crédito tributário e o valor socioambiental e econômico dos danos causados à natureza e à sociedade para constituir um fundo de recebíveis socioambiental destinado ao fomento permanente do desenvolvimento regional, cuja gestão deve ser feita por um arranjo institucional, com a liderança do Banco de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), principal instituição financiadora dos projetos voltados para o desenvolvimento regional.

A intenção é mudar a trajetória histórica dos grandes empreendimentos formadores de enclaves que, independentemente da forma de exploração dos recursos naturais e do contingente populacional afetado, sempre resultam em acumulação de riqueza para uma minoria e em grande passivo ambiental e social no local e em seu entorno.

Em termos práticos o BNDES abriria um fundo de investimento, que deve assumir as características do Fundo de Investimento em Direitos Creditórios, introduzido no Brasil ao final de 2001 pela Resolução CMN 2907. O ativo desses fundos representa o crédito originário de operações realizadas pelos segmentos financeiros de empresas diversas, prestação de serviços e, nesse caso, pelos recebíveis oriundos dos valores pagos como compensação por créditos tributários e danos causados ao meio ambiente (pela destruição dos recursos naturais renováveis e não renováveis) e à sociedade pelos grandes projetos implantados e a serem implantados na Amazônia, que vão formar o lastro do fundo de recebíveis.

A partir desse fundo, o BNDES, que deve exercer a função de gestor, pode lançar papéis ou quotas no mercado para a busca de investidores, ao longo do tempo, que são lastreados nos recebíveis das compensações e tributos pagos pelos grandes projetos de investimento na Amazônia.

A proposta do Idesp considera também fundamental definir na matriz de custos dos projetos a parcela do crédito tributário que deve ser destinada, juntamente com o valor da compensação, para a formação do fundo de recebíveis socioambiental, conceito que não está claro nos projetos implantados na Amazônia. Uma vez determinada a magnitude desses valores, deverá ser feita a sua integralização como ativo do fundo de recebíveis socioambiental para financiar o desenvolvimento regional, a partir de investimentos sob condições diferenciadas a micro e pequenos empreendimentos com fins socioeconômicos no território de sua influência. A forma da estrutura da securitização e da operacionalidade do fundo cabe ao arranjo institucional proponente e gestor do fundo.

A construção dessas hidrelétricas viabilizaria outro projeto estratégico, a hidrovia Tapajós-Teles Pires, que favoreceria o escoamento da produção da região Centro-Oeste, diminuindo o seu custo, e também fomentaria a geração de renda em diferentes setores.

Entre a foz do rio Tapajós e as primeiras corredeiras de São Luiz do Tapajós (345 km), as condições de navegabilidade são excelentes durante o ano inteiro e, por décadas, são utilizadas para transportar cargas e passageiros. Nesse trecho estão localizadas Santarém, Ponta de Pedras, Alter do Chão, Vila Franca, Pindobal, Aramanaí, Boim, Fordlândia, Aveiro, Brasília Legal, Barreiras, Itaituba, Miritituba e São Luiz do Tapajós. O segundo trecho, entre as corredeiras de São Luiz do Tapajós e a confluência do rio Juruena/Teles Pires (851 Km da foz do rio Tapajós) necessita de transposição das corredeiras de São Luiz e a cachoeira do Chacorão. O terceiro trecho alcança a cachoeira Rasteira (1.043 Km da foz do rio Tapajós), leito muito arenoso, com muitos bancos de areia. O quarto trecho pode chegar às cidades matogrossenses de Alta Floresta, Sinop e Sorriso (mais de 2,5 mil Km da foz do rio Tapajós).

O povoamento e a estruturação espacial inicial da região do Tapajós remonta ao período colonial. A mudança no padrão de povoamento, em suas formas de uso e ocupação, começou nos anos de 1950 e tomou impulso a partir da década de 1960, especialmente com a chamada Operação Amazônia, baseada na doutrina de segurança nacional, durante a ditadura militar.

Em 1970 foi criado o Programa de Integração Nacional (PIN) e, em 1971, o Programa de Redistribuição e Estímulo à Agroindústria do Norte e Nordeste (PROTERRA), ambos inseridos na lógica do I Plano Nacional de Desenvolvimento (I PND, 1972-1974). Neste contexto, foi processada a expansão da malha rodoviária regional com a construção das BR-230 (Transamazônica) e BR-163 (Cuiabá-Santarém).

A pavimentação da BR-163, prometida aos quatro ventos por todos os últimos presidentes da República das últimas décadas, embora seja de importância nacional, diante do estrangulamento das rodovias e portos do sul e sudeste, avança timidamente face aos urgentes reclamos da sociedade parauara.

Fernando Collor de Mello prometeu. Fernando Henrique Cardoso idem, duas vezes. Lula ibidem, duas vezes. Dilma Roussef também já está prometendo na segunda campanha. E nenhum honrou a palavra. Já se tentou de tudo. As empresas ligadas à produção de soja chegaram a prometer assumir os custos das obras na rodovia. Depois, durante o governo Lula se falou na viabilização da parceria entre o setor público e o setor privado. Por fim, a obra foi retirada, pelo governo, da carteira de projeto da PPP e inserida no PAC. E agora, com a ajuda de Deus e Nossa Senhora de Nazaré, sob as promessas deste Círio eleitoral, talvez se concretize do modo que o Pará precisa e merece.

A alternativa complementar para o escoamento dos grãos do Centro-Oeste, em especial a soja, é a viabilização de portos ao longo da calha do rio Tapajós a partir de Miritituba, município de Itaituba. Nesse trecho serão construídos na margem direita do Tapajós, em frente a Itaituba, a Estação de Transbordo de Carga/ETC Itaituba, da CIANPORT; a ETC Miritituba, a HBSA Tapajós e a ETC Cargill, com ligação ao Terminal de Uso Privativo Misto de Vila do Conde, em Barcarena, e ao porto de Santarém. A articulação entre espaços atinge níveis de escala global, integrando mercados da Europa e China.

Outra questão que o Pará enfrenta é a retomada de seu espaço. Em 1971, através do Decreto Lei nº. 1.164/71 e do Decreto Lei nº. 1.473/76, foram federalizadas muitas terras dos Estados da Amazônia Legal, as terras devolutas situadas na faixa de 100 quilômetros de largura em cada lado do eixo das rodovias construídas, em construção ou simplesmente projetadas, o que representou a transferência de 66% das terras do Pará ao domínio da União.

Foi criado, também nessa mesma época, o POLAMAZÔNIA (Programas de Pólos Agropecuários e Agrominerais da Amazônia). Dos cinco polos projetados para o Pará, um foi para a região de Altamira.

Mais tarde, o controle territorial serviria para incentivar a ocupação seletiva da terra e implantação de projetos de exploração dos recursos naturais (minerais, hidrelétricos e madeireiros). Somando-se as terras sob jurisdição do Incra, as terras do Ibama, as Terras Indígenas (Funai) e as áreas militares, ainda hoje o domínio da União sobre o território do Pará está na ordem de 66%. Pois na região do Tapajós o percentual é de cerca de 90%: dos 189.498 Km² de área territorial, 173.750,98 quilômetros quadrados estão sob o domínio federal. A maioria das terras, principalmente sob o controle do Ibama, corresponde às Unidades de Conservação e às Terras Indígenas, que somam 65,66%. As Forças Armadas detêm 21,97% e os assentamentos rurais ocupam 4,06% da área.

De acordo com o Censo Demográfico de 2010, a população do Pará é de 7.581.051. Contudo, no Tapajós há apenas 209.531 habitantes (IBGE, 2010), o que aponta ser a menos povoada do Estado. O município de Itaituba concentra 45% da população regional (97.490 habitantes).

Dados do Macrozoneamento Ecológico-Econômico do Pará (Sema, 2007) revelam que 57,52% do território do Pará são constituídos por áreas protegidas (Terras Indígenas somadas às Unidades de Conservação). No Tapajós o total de 121.694,17 Km² de seu território é constituído por áreas protegidas, o que representa 64,19% do seu território.

O Parque Nacional da Amazônia (PARNA) é a Unidade de Conservação de Proteção Integral mais antiga da Região de Integração Tapajós. Criado em fevereiro de 1974, pelo Decreto n° 73.683, como parte do PIN, logo após a implantação da BR-230, teve sua área reduzida em 6000 ha., pelo decreto 90.823, de 18/01/1985 e ampliado em 167.379 ha. pelo decreto s/n de 13/02/2006. Recentemente, a fim de viabilizar o aproveitamento hidrelétrico da bacia do Tapajós e ações relativas à colonização e assentamento de populações migrantes, 6,7% de sua área total foi excluída, sendo 2,5% decorrentes da sobreposição com o Aproveitamento Hidrelétrico de São Luiz do Tapajós e 4,2% para a redefinição dos limites leste do Parque relacionados aos conflitos sociais. Estudos complementares do Zoneamento Ecológico-Econômico da BR-163 constataram, em 2005, a existência de 14 comunidades rurais vivendo no seu interior. A permanência delas levou à criação da zona de amortecimento e à previsão de planos de manejo e de ordenamento territorial da área.

No Tapajós também está uma das mais importantes concentrações de populações indígenas do Pará. Os Munduruku, conhecidos como Weidyenye, Paiquize, Pari e Caras-Pretas, habitam as terras indígenas Cayabi, Munduruku, Munduruku II, Praia do Índio, Praia do Mangue e Sai-Cinza, adentrando no Amazonas e Mato Grosso. Dados do Distrito Sanitário Especial Indígena (2013), apontam uma população de 8.538 indivíduos, distribuídos em 112 aldeias só nos municípios de Jacareacanga (8.035 40) e Itaituba (503). Eles falam a língua Munduruku, do grupo linguístico macro-tupi.

Os garimpos do Tapajós já foram um dos maiores produtores de ouro do Pará. A exploração da Província Mineral do Tapajós começou em 1958, no rio das Tropas. Entre 1987 e 1992, a produção aurífera de Itaituba era acima de 55% da do Estado. Mesmo assim, pouco contribuiu para o desenvolvimento local. Itaituba e Jacareacanga foram as cidades que mais sofreram mudanças com o crescimento desordenado em função da chamada “febre do ouro”.

O relatório do Idesp toca em outro assunto polêmico: na década de 80, quando o garimpo de ouro estava em franco crescimento no Tapajós, acreditava-se que a única fonte de contaminação mercurial dos ambientes fluviais e lacustres provinha da atividade aurífera, já que os garimpeiros utilizavam o mercúrio metálico para selecionar o ouro das impurezas. Não obstante, estudos realizados por pesquisadores da L’Université du Québec à Montréal revelaram que a presença do mercúrio natural nos solos, na área de drenagem do Tapajós, é expressiva e que o desmatamento das matas galerias ou ciliares, voltado à atividade agropecuária, contribui para o deslocamento, por meio do processo de lixiviação, do mercúrio metálico em direção aos igarapés, lagos, rio principal e seus afluentes. Uma vez disponível nos ecossistemas aquáticos, o mercúrio metálico se transforma em metil mercúrio e assim penetra na cadeia alimentar, provocando danos à saúde humana através do consumo de produtos da pesca, em longo prazo.

Trabalhos científicos indicam que o mercúrio, enquanto contaminante, provém de alterações da sua forma metálica encontrada normalmente na natureza, por isso é preciso atentar ao processo de apropriação e uso dos recursos naturais, inclusive de uso hidrelétrico, sem desconsiderar seus efeitos nocivos sobre o modo de vida das populações que lá vivem e trabalham, sobretudo as comunidades ribeirinhas, as quais estabelecem relação orgânica com o rio, construindo um amálgama, recomenda o estudo.

Para se promover uma nova racionalidade acerca da exploração mineral na região do Tapajós, dado o acentuado interesse minerário, o Idesp sugere políticas que assegurem retorno financeiro e infraestrutural para promover desenvolvimento regional; investimento para solucionar o problema de gerenciamento causado pela fragilidade das instituições que operam na região; desenvolvimento de recursos humanos, capaz de superar graves assimetrias entre os atores envolvidos no processo; investimento em ciência e tecnologias mais apropriadas para potencializar as explorações minerais com menor impacto ambiental possível; e maior controle comercial do ouro e agregação de valores como instrumento de geração de emprego e renda para a população, minimizando seus efeitos negativos ao ambiente e sobre a sociedade, inclusive aqueles acarretados pelo desmatamento.

Fonte: Franssinete Florenzano

Publicado por Folha do Progresso fone para contato  Tel. 3528-1839 Cel. TIM: 93-81171217 e-mail para contato:folhadoprogresso@folhadoprogresso.com.br

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