Ave do Pará surgiu da rara mistura de duas espécies

Um caso misterioso de origem de espécies finalmente foi elucidado por pesquisadores do Brasil e do Canadá. Análises de DNA e das propriedades ópticas das penas revelaram que o dançador-de-coroa-dourada (Lepidothrix vilasboasi), pássaro que só existe no Pará, é uma ave híbrida, que surgiu da mistura de outras duas espécies há mais de 150 mil anos.

Casos como esses são raríssimos –existem apenas quatro espécies de aves de origem híbrida confirmadas no mundo todo, e o passarinho paraense é o primeiro do tipo no Brasil.

Os resultados estão em artigo na revista científica “PNAS”. A pesquisa é assinada por Alexandre Aleixo, do Museu Paraense Emilio Goeldi, e por Alfredo Barrera-Guzmán, da Universidade de Toronto, entre outros cientistas.

Quem olha para o mapa da distribuição geográfica do bicho na Amazônia já consegue ter uma ideia inicial a respeito de como ele surgiu. Hoje, é possível encontrar o dançador numa área que fica entre a margem direita do rio Tapajós e a margem esquerda do rio Jamanxim.

Dois parentes próximos da ave –seus prováveis “pais”– habitam áreas que flanqueiam esse território. Do lado oeste ficam as matas frequentadas pelo uirapuru-de-chapéu-branco (L. nattereri), enquanto no leste vive o cabeça-de-prata (L. iris).

O do cabeça-de-prata, aliás, muda de cor dependendo de como a luz incide sobre ele, mais ou menos como uma bolha de sabão –pode parecer rosado ou azulado, além de prateado. Nesse ponto, o L. vilasboasi foge do padrão de seus parentes, com seu topete amarelo um pouco menos brilhante.

OLÁ, SUMIDO

Foi com base nessa distinção que o primeiro ornitólogo a encontrar o pássaro, o alemão Helmut Sick, acabou considerando que ele merecia ser classificado como espécie e deu-lhe um nome em homenagem aos indigenistas da família Villas-Bôas.

Depois do registro inicial da existência do bicho, porém, passaram-se 45 anos sem que ele voltasse a ser visto, o que levou alguns pesquisadores a imaginar que o dançador-de-coroa-dourada fosse apenas um híbrido ocasional das duas espécies de topete brilhante, talvez uma versão emplumada das mulas (filhas de jumentos e éguas, membros de duas espécies diferentes –a analogia é imperfeita porque essas espécies de aves ainda são bastante próximas geneticamente).

Desde 2002, porém, o L. vilasboasi e seu topete amarelo voltaram a ser vistos nas matas entre o Tapajós e o Jamanxim, e agora a equipe brasileiro-canadense apresentou análises de DNA de mais de cem indivíduos das três espécies. O veredicto: o dançador “tem composição genética rigorosamente intermediária entre as duas espécies que o circundam”, diz Aleixo, do Museu Goeldi.

Várias pistas indicam que essa mistura é antiga. Uma delas tem a ver com a chamada heterozigosidade –uma medida de quanto um indivíduo é heterozigoto, ou seja, carrega cópias diferentes de um gene vindas do pai e da mãe. O DNA de animais como aves (e humanos) sempre vem em duas cópias, com um conjunto de genes derivados do lado paterno e outro vindo do lado materno.

Dependendo de uma série de fatores, esses pares de cópias podem ser iguais (homozigotos) ou diferentes (heterozigotos).

Acontece que, num indivíduo híbrido de primeira geração, espera-se que um elevado nível de heterozigosidade –afinal, ele está recebendo genes de duas espécies diferentes. No caso do dançador, porém, esse nível está abaixo do esperado, o que significa que, após a “mestiçagem” inicial, a espécie teve tempo para desenvolver características genéticas próprias ao longo de gerações.

Essa ideia foi confirmada pela descoberta de híbridos recentes entre as duas espécies “genitoras” –os quais, surpreendentemente, não contavam com o topete amarelo, mas sim com penas brancas no alto da cabeça.

A análise das propriedades ópticas dessas penas mostrou que a coloração típica do L. vilasboasi se deve ao acúmulo de carotenoides. Além disso, como no caso dos genes, a estrutura das penas, responsável pela interação delas com a luz e, portanto, pela coloração, também é intermediária na espécie híbrida.

Por que o amarelo, então? “A ideia é que surgiu uma população híbrida que provavelmente ficou isolada geograficamente”, explica o pesquisador brasileiro.

“Os machos dessa população”, prossegue, “tinham coroa bem menos brilhante do que a das demais espécies. Isso levou a uma pressão de seleção forte em favor de qualquer macho que tivesse uma coroa mais chamativa do que a média. Alguma mutação deve ter possibilitado a incorporação dos carotenoides na coroa, favorecendo os machos com as penas amarelas.”

Aleixo diz que agora o importante é estabelecer estratégias para conservação –o bicho, afinal, só pode ser encontrado na zona de influência da BR-163, região que tem sofrido pressão do desmatamento por causa do avanço do agronegócio. A ave já consta da lista brasileira de espécies ameaçadas

Fonte: Folha de São Paulo.
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