Crise de artilheiros brasileiros na Europa é longa, mas tem solução​

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Jornalistas isentam Fred de críticas, aconselham Brasil a começar ciclo de Copa sem centroavante fixo e citam Pato, Diego Costa e Leandro Damião como opções perdidas.

Diego Costa e Leandro Damião como opções perdidas.
Eles foram e nunca mais voltaram. Eles não deixaram substitutos. Armadores, alas e zagueiros passaram a ser os protagonistas da Seleção Brasileira. Romário e Ronaldo foram os últimos centroavantes brasileiros a receberem o prêmio de melhor do mundo. Os outros craques talentosos que surgiram no Brasil e seduziram o mercado europeu – entre eles os também laureados Ronaldinho Gaúcho e Kaká, além de Robinho, e agora Philippe Coutinho, Neymar, Oscar e Lucas- não são “camisas 9”, dificilmente serão artilheiros em seus clubes, mas é por eles que o Brasil pode recomeçar.
A atuação decepcionante de Fred e Jô nesta Copa do Mundo, que marcaram apenas um gol em sete partidas, é consequência do fraco rendimento dos centroavantes brasileiros nos últimos anos. Há várias temporadas que um jogador do país não é artilheiro de um grande campeonato europeu. Nas sete primeiras ligas europeias, Hulk foi o último a alcançar tal feito, quando atuava no Porto, em 2011. Mas, levando em conta somente os principais campeonatos (Espanha, Alemanha, Inglaterra e Itália), o último goleador verde-amarelo foi Grafite, há seis anos, quando conquistou o título da Bundesliga pelo Wolfsburg, marcando 28 vezes. A Premier League nunca teve um brasuca no topo da estatística. Na Espanha e Itália, os últimos foram há mais de uma década.
Adriano brilhou na Itália, mas nunca foi artilheiro da Serie A. O último goleador brasileiro no “calcio” foi Amoroso, pelo Udinese, em 1999. Na Espanha, foi Ronaldo, há uma década. Nos anos 90, Romário e Bebeto também lideraram a estatística em “La Liga”. O futuro parece ainda mais sombrio, porque recentemente o Brasil não tem exportando centroavantes para a Europa.
– Eu também me surpreendo com esses dados. Os últimos que passaram pelo Campeonato Italiano, Pato e Adriano, nunca foram artilheiros. É estranho, porque eles jogavam em bons times e tinham muito mais bolas para fazer gols do que eu quando atuava no Udinese, que era um time médio e não tinha tantas chances. O jogador brasileiro que vai para um campeonato europeu acaba tendo dificuldade de posicionamento, e essas mudanças podem atrapalhar. Mas não é justificativa, porque, quando se vai para um campeonato desses e para times grandes, o jogador tem mesmo de brigar pela artilharia – disse por telefone Amoroso, que também foi artilheiro do Campeonato Alemão, em 2002, pelo Borussia Dortmund.
TALENTOS PERDIDOS

Pato é citado por jornalista italiano como centroavante de talento desperdiçado

As artilharias europeias hoje são dominadas por nomes como Messi, Cristiano Ronaldo, Ibrahimovic, Suárez ou Thomas Müller. Nomes que aparecem com frequência brigando pelo mesmo prêmio na Liga dos Campeões ou na Copa do Mundo. Por isso, para o jornalista italiano Paolo Condó, que acompanhou o Brasil na Copa do Mundo, é fundamental que os centroavantes brasileiros se destaquem nesses campeonatos.
– O grande futebol é aquele que permite a um jogador evoluir, porque compete com todos os melhores do mundo. E esse futebol hoje em dia você só encontra na Liga dos Campeões. Qualquer jogador que queira ser o próximo artilheiro do Brasil, tem de começar a se misturar e tentar vencer nesse ambiente, que é idêntico ao que vai encontrar em uma Copa do Mundo – observa o repórter especial do jornal italiano “Gazzetta dello Sport”.
Para Condó, Fred não era o centroavante desta geração de 2014.
A gente já tinha entendido que o Fred não era um grande jogador desde os tempos de Lyon. Ele nunca conseguiu se impor”
Paolo Condó, repórter especial do
jornal italiano “Gazzetta dello Sport”
– Os dois jogadores que deveriam ter liderado o ataque do Brasil nesta Copa do Mundo eram Pato e Diego Costa. Mas o Brasil perdeu os dois por motivos diferentes, e Leandro Damião não conseguiu se sobressair. A gente já tinha entendido que o Fred não era um grande jogador desde os tempos de Lyon. Ele nunca conseguiu se impor.
Embora Condó não considere o jogador do Fluminense um centroavante de valor para a seleção brasileira, na Europa a imprensa preferiu isentar Fred da culpa pela eliminação inesperada, atribuindo as responsabilidades dos maus resultados na fase final da Copa do Mundo ao meio de campo verde-amarelo.
LIÇÃO DE ATUALIDADE: MOBILIDADE E POSSE DE BOLA
Amoroso nunca sentiu dificuldades para se integrar e fazer gols nos campeonatos alemão, espanhol e italiano. Amoroso diz que mudou muito a sua ideia de jogo desde que chegou à Europa e garante que as diferenças são muitas. Hoje vê o futebol totalmente centrado no meio-campo e arrisca que nem Ronaldo faria gols pelo Brasil nesta Copa.
Podia estar lá até o Ronaldo que ia morrer de fome”
Amoroso, ex-jogador
– Um centroavante joga lá na frente, tenta encontrar espaços, mas precisa que a bola chegue com qualidade para tentar finalizar. Isso não aconteceu, porque o treinador optou por levar mais meias defensivos do que ofensivos. O único jogador de armação era o Oscar, e o jogo quase nunca passava pelo pé dele. O padrão tático do Brasil era Neymar. E quando você vê que seus zagueiros fazem mais gols do que seus atacantes, há alguma coisa errada. O problema foi a falta de meias criativos e de movimentação, porque em sua história em Copas do Mundo, o Brasil raramente atuava com um centroavante fixo, era sempre com atacantes de muita mobilidade. Mas para a bola chegar até eles é preciso transitar no meio-campo. Podia estar lá até o Ronaldo que ia morrer de fome – opinou Amoroso.

Para o jornalista esportivo e escritor alemão Patrick Strasser, o estilo de jogo atual do Brasil não favorece a posição de um centroavante central, e Fred também não tem culpa.
– Quando você não tem um bom meia criativo, um armador que pode te deixar na cara do gol, como Messi, Ozil ou Kroos, o seu centroavante se sente sozinho. O estilo de jogo do Brasil era totalmente focado na mobilidade do Neymar, e Fred também trabalhou para encontrar muitos espaços para ele. Mas, sem essa referência, Fred e Jô eram inúteis. É verdade que não existem muitos centroavantes brasileiros de qualidade, como a Argentina tem o Higuain, ou a Alemanha, o Klose, talvez porque os jovens jogadores brasileiros de hoje queiram todos ser como o Ronaldinho ou o Neymar e não mais artilheiros. Mas, este ano, o meio-campo do Brasil era muito pobre – advertiu Strasser, autor da biografia de Dante em alemão, “Ich, Dante” (Eu, Dante).
BRASIL, RECOMECE DO PASSADO

O rosto da Seleção Brasileira dos próximos anos deverá ter nomes como Neymar, Lucas, Philippe Coutinho, Ganso e, se Pato não conseguir retomar os bons tempos de sua carreira, poderá não ter um centroavante de referência. Mas, para os europeus, essa não deve ser a principal preocupação do Brasil, que deve abandonar o 4-2-3-1 e recomeçar de onde parou, lá atrás.
– A Alemanha agora parece o novo Brasil. Mas a gente quer que o Brasil volte a ser “Brasil”, volte a jogar futebol, privilegiando a técnica e construindo as jogadas de ataque mais bonitas do mundo, mesmo sem um centroavante fixo. Vou guardar para sempre na minha memória, as gerações de 1958, 1970, 1982 e mesmo de 2006. Algumas venceram, outras não. No futebol, não se pode ganhar sempre, mas todas elas representavam o valor técnico do Brasil. Os times de 1994 e 2010 já eram um pouco diferentes do Brasil que nós amamos. E esta seleção de 2014 era muito pobre tecnicamente e sem ideias – analisou o jornalista Paolo Condó.
Na era da posse de bola, dos falsos “9”, do tiki-taka e de times que jogam até em 4-6-0, o Brasil pode reinventar o seu futebol usando e abusando das qualidades técnicas de seus meias, alas e atacantes, porque é possível jogar sem centroavantes, mas não sem ideias.
Fonte> O Globo

 

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