CRM no Pará desestimula uso da pílula do câncer.

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Médico oncologista Celso Fukuda (Foto: Anderson Silva / Ag. Pará- O Conselho Regional de Medicina (CRM) repercutiu em Belém a nota do Conselho Federal de Medicina que recomenda aos médicos não prescreverem a pílula do câncer – a substância fosfoetanolamina sintética – até seu reconhecimento científico com base em evidências de sua eficácia e segurança, a serem obtidas nas conclusões de pesquisas clínicas.

A substância teve seu uso por pacientes diagnosticados com tumores malignos autorizado por meio de sanção presidencial, na semana passada, da Lei número 13.269, de 13 de abril de 2016, o que tem preocupado várias instituições que atuam na área da saúde. Uma das primeiras entidades a reagir foi a Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa (Interfarma), que criticou a decisão presidencial.

Ontem, o médico oncologista Celso Fukuda admitiu que muitos pacientes com câncer, na esperança de que a fosfoetanolamina seja a cura para a doença, pedem que ele prescreva a medicação. O médico disse que não atende aos apelos: “A gente não pode fazer isso. Só é possível prescrever aquilo a que a ciência dá respaldo”, declarou. Celso considerou a medida da presidente Dilma Rousseff “precipitada”.

Segundo ele, para receitar qualquer medicamento é preciso saber a indicação correta, dosagem, tipo de câncer que irá responder àquela substância, tempo de tratamento e efeitos colaterais, entre outros itens. “À luz da ciência, da medicina, o médico não tem como responder essas questões. Então, é preciso esperar mais pesquisas para ter segurança na hora de prescrever”, defendeu.

Celso, que é da área de oncologia ginecológica, observou também que a fosfoetanolamina ainda está em fase experimental e até pode, no futuro, ser uma droga importante para o tratamento contra o câncer. “Os médicos estão abertos para mudanças e novos medicamentos. Mas, no presente, a gente ainda precisa ter cautela. Precisamos ter evidências científicas”, acrescentou. Ele observou que, na quimioterapia, por exemplo, a dosagem da medicação é calculada de acordo com o peso e a estatura do paciente, enquanto que com a pílula do câncer não é feito esse tratamento específico por paciente. “Você não pode colocar uma dosagem igual para todo mundo”, ensinou.

O presidente do Conselho Regional de Medicina, Paulo Guzzo, ressaltou que o dever institucional da entidade é alertar os médicos e a sociedade brasileira sobre a necessidade de pesquisas clínicas que possam assegurar a eficácia e a segurança dessa substância para posterior uso na rotina da prática médica. “O medicamento para ser incorporado no arsenal terapêutico antes neoplásico tem que ter o seu reconhecimento científico com base em evidencias de sua eficácia e segurança, que é obtida através das conclusões de pesquisas clínicas”, enfatizou.

Somente a partir dessas pesquisas será possível conhecer os riscos e a eficácia do medicamento para que seu uso na oncologia clínica possa ser liberado com segurança, de acordo com Guzzo. “O Conselho de Medicina recomenda aos médicos brasileiros não prescreverem a fosfoetalonamina para tratamento de câncer até que a eficácia e a segurança da substância sejam reconhecidas por evidências científicas. O Conselho não proíbe, mas sim recomenda”.

Decisão do governo federal preocupa professora de farmacologia da UFPA

Professora de Vigilância Sanitária e Farmacologia da Universidade Federal do Pará (UFPA) e tutora da residência de oncologia do Barros Barreto, na área da Farmácia, Cristiane Maia considerou preocupante a decisão do governo de liberar o uso da substância. “Uma droga, para chegar ao mercado, passa por estudos in vitro, depois por estudos pré-clínicos em animais e, em seguida, por pelo menos mais três fases de estudos clínicos em seres humanos. Existe um rigor quanto a isso, porque medicamento não é nem bom e nem ruim, ele é algo necessário, que exige uma prescrição precisa”, observou.

Professora Cristiane Maia (Foto: Igor Mota)
Professora Cristiane Maia (Foto: Igor Mota)

Ela ressaltou a necessidade de, antes de liberar a substância, serem respondidas questões acerca do tipo de tumor para o qual pode ser usada, qual a dosagem para cada paciente, qual o risco do medicamento, qual o tempo de tratamento e se provoca reações adversas, entre outras. “Eu entendo o lado da sociedade, porque é uma doença muito difícil. Mas, nesse momento, não podemos perder a razão. Antes de tudo tem que estudar”, completou.

Sobre declarações de pacientes que alegam que tiveram um resultado positivo após o uso da fosfoetanolamina, Cristiane observa que eles também faziam quimioterapia. “Será que o resultado foi por causa da fosfoetanolamina ou por causa da quimioterapia convencional? Quando você usa várias coisas naquele tratamento, é difícil definir o que realmente está fazendo bem”, disse ela. Para a professora, existe a possibilidade desses testemunhos serem resultado do “efeito placebo”,  quando o paciente faz uso de terapia ou procedimento inerte, mas que apresentam efeitos terapêuticos devido aos efeitos psicológicos da crença do paciente de que está sendo tratado. Por outro lado, observou Cristiane, também há depoimentos nas redes sociais sobre casos de pacientes que utilizaram a substância e tiveram piora em seu estado de saúde.

De acordo com Cristiane, um fármaco começa a ser produzido após dez anos de pesquisa, em média. Em alguns casos, quando o medicamente se mostra promissor, esse tempo pode ser encurtado. “Medicamento não é pílula mágica. O balanço entre benefício e malefício precisa ser avaliado”, explicou. Outro ponto sobre o qual a professora chama a atenção é que, na quimioterapia, a medicação é individualizada e o tratamento se baseia no índice de superfície corpórea do paciente. “Como, de repente, um comprimido, na mesma quantidade, é eficiente para todo mundo e para todos os tipos de cânceres?”, questionou.

Para ela, a medida mais adequada nesse momento seria suspender a decisão que liberou a substância e reforçar os grupos de pesquisa, até que seja descoberta a real eficácia da substência.

Em nota, o Conselho Federal de Farmácia (CFF) já havia assumido posição contrária à liberação da substância sem a observância da legislação vigente. “As exigências feitas na Lei nº 6.360, de 23 de setembro de 1976, de que nenhum medicamento, droga ou insumo farmacêutico, inclusive importado, pode ser industrializado, exposto à venda ou entregue ao consumo antes de ser registrado no Ministério da Saúde/Anvisa, estão alinhadas às adotadas por agências de regulação sanitária existentes em todo o mundo. Não por acaso. A finalidade é proteger a população de produtos ineficazes e/ou nocivos”, diz a nota.

A entidade reiterou que não há comprovação científica de que a substância seja eficaz para o tratamento de qualquer tipo de câncer e as evidências contemporâneas sobre seus efeitos em pacientes com a doença ainda são limitados. “Lamentável também constatar que as autoridades, ao tomarem tal atitude, transferem a responsabilidade pelo uso da substância – que ainda não tem comprovação de eficácia e segurança – para os pacientes, pessoas fragilizadas por uma doença grave e de prognóstico ruim em boa parte dos casos”, completa a nota.

Publicado por Folha do Progresso fone para contato Cel. TIM: 93-981151332 / (093) WhatsApp (93) 984046835 (Claro) Fixo: 9335281839 *e-mail para contato: folhadoprogresso@folhadoprogresso.com.br

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