Dados de violência contra a mulher são a evidência da desigualdade de gênero no Brasil

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Foto:Reprodução- Betta Jaworski/G1

Os dados divulgados pelo Monitor da Violência neste 8 de março indicam que a violência contra a mulher permanece como a mais cruel e evidente manifestação da desigualdade de gênero no Brasil. A sociedade, cada vez mais entregue à hipocrisia política e populista daqueles que estimulam a violência como resposta pública ao medo e ao crime, ignora que não há lugar seguro para as mulheres no país. Não há separação entre espaço público e privado para elas – a morte está à espreita dentro das casas, no transporte público, nas ruas e nos espaços de educação e lazer. A violência compõe um cotidiano perverso sustentado por relações sociais profundamente machistas.

Apesar da redução de 6,7% no número de homicídios femininos entre 2017 e 2018 – que passou de 4.558 para 4.254 vítimas -, o percentual frustrou a expectativa diante dos dados divulgados na semana passada, que indicavam 13% de redução das mortes violentas em todo o país. Por que a redução da mortalidade feminina foi tão menor que a dos homicídios em geral?

Se esta redução merece ser celebrada, vale lembrar que permanecemos como um dos países mais violentos do mundo para as mulheres. Estudo divulgado em novembro de 2018 pelo UNODC (Escritório das Nações Unidas para Crime e Drogas) mostra que a taxa de homicídios femininos global foi de 2,3 mortes para cada 100 mil mulheres em 2017. No Brasil, segundo os dados divulgados hoje relativos a 2018, a taxa é de 4 mulheres mortas para cada grupo de 100 mil mulheres, ou seja, 74% superior à média mundial.

Já os registros de feminicídio apresentaram um crescimento esperado, lembrando que neste mês de março a lei 13.104, conhecida como “lei do feminicídio”, que tipifica o homicídio doloso contra a mulher por sua condição de sexo feminino ou decorrente de violência doméstica, completa apenas quatro anos. Há, do ponto de vista estatístico, uma tendência de aumento neste tipo de registro e de migração do que antes estava invisível no conjunto das mortes de mulheres. Assim, no curto prazo, o aumento observado precisa ser analisado a partir de uma lente analítica que considera a violência em si e a forma como esta é registrada e contabilizada. Os baixos números de feminicídios em vários estados revelam a permanente dificuldade das instituições policiais em qualificar o feminicídio, ainda que se reconheça que parcela dos casos só será assim definida após a investigação.

Nos últimos 15 anos, a violência contra a mulher passou a fazer parte do debate público como prática que não deve ser tolerada ou legitimada. Neste período, o arcabouço legal com foco no enfrentamento aos diferentes tipos de violência contra a mulher foi se consolidando, a exemplo da Lei Maria da Penha em 2006, da mudança na lei de estupro em 2009, da lei do feminicídio em 2015, e da mais recentemente lei de importunação sexual de 2018.

Se os avanços legislativos são uma grande conquista dos movimentos de mulheres, as políticas públicas implementadas para garantir seu cumprimento ainda se mostram frágeis. Não à toa, uma média de 4 mil mulheres foram assassinadas todos os anos na última década. Permanece o enorme desafio em garantir que as mulheres em situação de violência de fato tenham acesso à Justiça.

E, apesar de episódios de feminicídios ocuparem diariamente as páginas dos principais veículos de imprensa, as políticas desenvolvidas pelos Poderes Executivos seguem dando pouca ou nenhuma prioridade às ações de enfrentamento à violência contra as mulheres. Este é um enorme indicativo de que a tragédia brasileira na segurança pública não se resume à leniência das leis penais e processuais penais. O poder público tem falhado todos os dias ao não ser capaz de garantir a vida de milhares de mulheres.

Disparidade

Os dados de homicídios femininos publicados pelo Monitor da Violência escancaram, ainda, as disparidades entre os estados. Roraima apresentou taxa de mortalidade feminina por homicídio de 10 por 100 mil, o mais alto do país, seguido do Ceará, com taxa de 9,6, e do Acre, com 8,1 mortes para cada 100 mil mulheres. Em todos os casos, a taxa representou mais que o dobro da média nacional e mais que o triplo da média mundial. Quem continua achando que a prioridade dos operadores da segurança pública e justiça criminal deveria ser outra precisa rever sua posição.

E isso não significa apenas criar programas e ações, mas colocá-las no centro das prioridades políticas dos gestores da área, o que inclui, por óbvio, recursos financeiros. Nos três estados vigoram iniciativas de prevenção e enfrentamento à violência contra a mulher que são notáveis, tal como o programa Maria vai à escola do Tribunal de Justiça de Roraima; o Centro de Atendimento a Vítima do Ministério Público do Acre e o Núcleo de Atendimento Especial à Mulher, Criança e Adolescente da Perícia do Ceará. Embora sejam reconhecidos como importantes políticas dentre especialistas, ainda são iniciativas pontuais que sofrem constrangimentos de ordem financeira e política e que são vistas como iniciativas paliativas, já que ainda vige no país a ideia de que a violência doméstica é de ordem privada e, portanto, o Estado pouco pode fazer para preveni-la.

Como se o cenário não fosse suficientemente preocupante, o decreto que flexibiliza a posse de armas de fogo pode funcionar como combustível em um incêndio. Ao ampliar sobremaneira as possibilidades de um cidadão ter uma arma de fogo em sua casa, o Estado está oferecendo um instrumento mais eficiente para que homens agressores acabem com a vida de mulheres. Sim, os armamentistas têm razão, armas não matam sozinhas, mas, quando de fácil acesso, potencializam a letalidade da violência que, como os dados mostram, não se resume aos “bandidos” que integram as facções criminosas. O feminicida, não raro, preenche todos os requisitos do estereótipo do cidadão de bem.

A covardia da violência doméstica fica facilitada com mais armas de fogo e também com a proposta de aceitar o gigantesco retrocesso do “escusável medo ou forte emoção” como critério de absolvição por legítima defesa de responsáveis por matar outras pessoas.

Mas isso parece não sensibilizar muitos daqueles que deveriam formular políticas de segurança no país. Evidências importam menos do que convicções pessoais e cruzadas morais estimuladas por exércitos virtuais que invadem as redes sociais dão o tom da política atualmente.

É mais do que hora de a segurança pública deixar de reforçar estereótipos de masculinidades que, no limite, naturalizam a violência como linguagem e dificultam sua prevenção e sua repressão. Ética, decoro e liturgia pública são conceitos que, para terem algum significado prático, devem considerar que cabe ao Poder Público conter as emoções e não aceitar a violência em nenhuma de suas manifestações.

Por:Samira Bueno e Renato Sérgio de Lima são diretores do Fórum Brasileiro de Segurança Pública

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