Governo vai apontar novos ‘desvio de poder’ de Cunha, diz Cardozo

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O advogado-geral da União, José Eduardo Cardozo (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)
O advogado-geral da União, José Eduardo Cardozo, usará em defesa da presidente Dilma Rousseff no processo de impeachment no Senado supostos novos “desvios de poder” que teriam sido feitos pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), durante a votação do último domingo (17) e uma decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos da OEA (Organização dos Estados Americanos).

Segundo Cardozo, durante a sessão que deu aval à análise do impeachment pelo Senado, Cunha deveria ter advertido ao microfone que os parlamentares não poderiam levar em conta, para seus votos, fatos ligados a Petrobras e Pasadena, conforme decisão do STF.

O advogado-geral também mostrará aos senadores uma decisão da Corte Interamericana segundo a qual parlamentares não podem usar o argumento de “questão fechada” pelos partidos políticos para dar votos em casos como impeachment.

Conforme Cardozo, os deputados deveriam votar “de acordo com sua consciência” e as provas do processo, mas não seguir uma decisão partidária que vale para todos sob pena de punição contra os rebeldes. Cardozo antecipou que voltará a usar no Senado a denominação de “golpe”.

A seguir, trechos da entrevista concedida à Folha na última quarta-feira (20).

Folha – Quais são os próximos passos da defesa da presidente?
José Eduardo Cardozo – Na segunda-feira (25), se instala a comissão e nós vamos nos manifestar dizendo que queremos fazer a defesa na Comissão. Não sei como o presidente [Renan Calheiros] vai conduzir isso, mas na nossa avaliação temos o direito de fazer a manifestação oral na comissão. E vou também entregar um memorial, uma defesa escrita, para todos os membros da comissão.

O que vai dizer o memorial?
Basicamente é a defesa da Câmara, mudando aquelas questões que já foram superadas, e acrescentando algumas novas. Que mostram o vício, o desvio de poder de Eduardo Cunha que bnão se limita só a abertura [do processo], vai até o final.

Por exemplo, há decisões da Corte Intermaericana de Direitos Humanos que mostram que partidos não podem fechar questão nesse tipo de coisa. E aí [no impeachment] fechou-se questão. Mesmo na admissibilidade, a questão não é partidária, é da consciência de cada parlamentar. Nós vamos colocar isso na defesa para mostrar que há nulidades em todo o processo que antecede o do Senado.

E, na defesa propriamente dita, vamos incorporar algumas questões que surgiram ao longo dos debates, mas basicamente vamos defender a inexistência do crime de responsabilidade, demonstrar isso com toda a clareza. Porque não há mesmo, estou convencido de que não há.

Quais questões surgiram nos debates?
Houve a arguição de um dispositivo pelo qual foi feito o enquadramento da denúncia, na lei de impeachment de 1950, artigo 11, que não teria sido recepcionado pela Constituição. Porque ele era adequado às Constituições anteriores e não teria mais respaldo constitucional. Foi uma tese arguida no STF que o ministro Fachin não deu liminar, mas é uma tese que nós não tínhamos explorado na nossa defesa.

Umas questões jurídicas mesmo, mais para consolidar o entendimento de situações jurídicas. E quanto aos fatos, mostrar claramente a inocorrência de crime. O Supremo deixou claro que são só os dois fatos: a questão dos decretos suplementares e das pedaladas, mas apenas no que diz respeito a 2015 e no Plano Safra. Nós vamos situar isso com exatidão. E mais, o Supremo deixou claro que embora ele entendesse que havia uma certa elasticidade do que seria a compreensão do direito de defesa na Câmara, no Senado não haverá elasticidade. É um outro componente.

E vamos explorar as contradições do relatório. Ele tem debilidades intrínsecas.

Quais seriam esses novos desvios de poder de Cunha?
Nós temos vários fatos. Começa com a denúncia, depois o fato de ele alargar a denúncia –manda que a presidente fale sobre tudo–, junta a delação do Delcídio. Ele cria todo um conjunto de situações que mostram o desvio de poder dele. Os jornais deram matéria de que ele teria negociado com o relator a presidência da Câmara, para ser seu sucessor, no momento da escolha. É uma coisa que mostra um absoluto disparate.

Na sessão do impeachment, uma coisa que aconteceu… Se o aprovado era o relatório, nós [defesa] teríamos que ter falado no momento do relatório, e não depois da denúncia. [O advogado coautor da denúncia] Miguel Reale falou de questões de 2014, textualmente, o que não era permitido. Nós vamos mostrar que o tempo inteiro a Câmara não discutiu os dois fatos, mesmo depois de o Supremo ter discutido os dois fatos.

Vamos mostrar que ele [Cunha] induziu, mas teria que ter advertido. Eu inclusive pedi da tribuna que ele advertisse os parlamentares, ele não fez isso. Isso caracteriza, a nosso ver, o desvio de poder evidente em que forçava situações para chegar aonde chegaram. […] Aquela sessão mostra uma coisa que nós falávamos: foi discutido tudo, menos o crime de responsabilidade.

Mas o sr. acha que há chance real de o Senado ouvir seus argumentos?
Nós vamos levantar. Porque o desvio de poder é evidente. Considerando que o Senado é investido agora de uma condição diferente da Câmara. Ele tem, pela própria decisão do Supremo, uma condição de julgador, julgador político, mas julgador. O perfil é outro. Isso terá que ser examinado. O relator, quando se fala de desvio de poder de Cunha, não responde. Ele fala ‘olha, já foi decidido pelo Supremo’. Não foi. Temos um mandado de segurança que não foi levado ao plenário e uma ação que o ministro Marco Aurélio entendeu que não era cabível. Mas não houve ainda apreciação do plenário desse mandado.

Eu quero ver qual é a resposta. Quero que me digam então que não houve desvio de poder. Que ele [Cunha] não fez por ameaça, que ele não induziu. Quero que se diga isso. Porque se concordar que houve ameaça, é nulo. E não adianta falar ‘ah, mas isso foi na Câmara’. Não, a Câmara autoriza. Se aquilo é nulo, é nula a autorização.

A fase da admissibilidade no Senado já se confunde com um julgamento?
Eu entendo que sim. Porque se eu tenho uma nulidade no procedimento que autoriza, não se pode admitir uma coisa autorizada com desvio de poder. Eu quero e vou arguir isso.

A possibilidade de o caso já estar julgado, com vários senadores declarando voto antecipadamente aos jornais, preocupa o governo, como reverter esse quadro?
Eu não acho possível que alguém que vá julgar um caso tenha uma convicção inabalável sem ouvir a defesa. Então o julgamento não seria imparcial. Eu acredito que os senadores vão ouvir a defesa e ver a debilidade, a fragilidade, da denúncia e do relatório.

Qual seu programa em relação a isso, serão encontros pessoais?
Eu já tive uma reunião hoje [20], um encontro suprapartidário, e pretendo ir ao Senado tantas vezes quanto for necessário com o senadores que quiserem me ouvir. Porque eu acho que é um julgamento muito importante para o país e não tem sentido nenhum para um país como o nosso ter uma decisão como essa sem nenhuma base jurídica e com clara ofensa à Constituição. Então embora alguns senadores tenham falado de antemão, eu acredito que quando começar o julgamento eles vão se convencer das nossas razões. Porque realmente não tem, não existe ato ilegal, não existe dolo da presidente.

Em relação ao rito já anunciado pelo Senado, algo a opor?
Não. O Senado decide. Desde que se garanta, e parece que está garantido, o direito de defesa na comissão, não tenho nada a opor.

Como o sr. recebeu a posição de Renan de ter dito que não vai acelerar o processo?
Eu acho que é uma decisão imparcial, correta. O que foi feito na Câmara foi um atropelo. Aliás, basta comparar o processo do Eduardo Cunha com o da presidenta. Eu até mencionei isso. Enquanto o processo dele anda a passos de tartaruga, ou não anda –a cada dia surge um problema, muda a comissão, tem recurso, a Mesa anula o que a comissão decidiu–, o da presidenta Dilma correu a toque de caixa, com convocações e sessões, votações em domingo, coisas assim absolutamente fora da realidade parlamentar.

Então nesse ponto o presidente Renan mostra equilíbrio e uma imparcialidade que eu acho importante na condução de um processo como esse, coisa que infelizmente o Eduardo Cunha não mostrou.

Na sua defesa no Senado o sr. voltará a mencionar que considera o impeachment um golpe, como fez na Câmara?
Sim. Na verdade, a expressão golpe qualifica termos jurídicos mais sofisticados que podem ser perfeitamente usados num processo jurídico e político. Eu poderia falar em rompimento institucional, usar diversos termos jurídicos mais pomposos para rotular uma coisa que na linguagem política chama-se golpe, golpe de Estado.

Associações de advogados da União emitiram nota nesta semana questionando o uso dessa palavra pelo senhor.
Eu achei curioso. Em primeiro lugar, a lei é clara, e as próprias associações reconhecem, que a AGU vai advogar no caso. Segundo, nós estamos diante de um processo jurídico-político. Em que aquele que é defensor faz uma defesa jurídica e política. Eu nunca vi advogados policiarem a linguagem de advogados quando a ética não é ferida. Que ética foi ferida? Se eu estou convencido, como defensor, que há um rompimento institucioonal, que há uma violência à Constituição, por que não posso usar a palavra golpe? A quem afeta? Eu não consigo entender. […] Se um advogado não pudesse fazer isso, coitado dos advogados que lutaram em defesa de presos políticos, não poderiam usar essa linguagem. É uma lingaguem normal em processos jurídicos. Por que não posso dizer que há ‘golpe’ se eu acho que há isso? É uma censura? Não acho correto isso.

Eu respeito os líderes das associações dizerem [isso], mas eu acho que há um equívoco de fundo. Porque a lei permite que eu advogue e se permite, eu devo advogar com liberdade. Advogados não cerceiam outros quando exercem a defesa de seus clientes. Me parece uma coisa muito estranha. ‘Ah, mas a Advocacia é pública’. Sim, ela é pública, e estou defendendo atos sobre os quais a própria AGU deu parecer. Os atos da presidente Dilma que estou defendendo, como os decretos, foram os que a AGU deu parecer. Eu estou defendendo inclusive a própria instituição. Ou será que nós demos pareceres errados e induzimos a presidenta a erro?

Ou seja, há coisas que eu não consigo entender. A AGU tem quadros de excelência, deram parecer afirmando que aquilo era possível. Eu vou defender que nossos pareceres estavam certos, e se estavam certos a presidenta não errou, e se não errou não tem crime de responsabilidade. E se não tem crime de responsabilidade, como é que nós chamamos isso? Golpe.

As entidades alegam que a expressão atingiria o Congresso, que também é parte da União, e aí se criou um conflito de interesse.
É curioso, é uma má compreensão de como funciona. Porque quando o Congresso precisa, a AGU também é destacada. Um exemplo, nós impetramos um mandado de segurança para defender a nulidade. A AGU ofereceu ao presidente Eduardo Cunha e ao presidente da comissão, Rogério Rosso, advogados ‘ad hoc’ da própria AGU. Nós temos um escritório na Câmara.

Eu acho que essa posição inclusive ela é curiosa porque há litígios entre os Poderes. Acontece. Não pode o presidente da Câmara impetrar um mandado de segurança contra a presidenta da República? Claro que pode. E a AGU é que tem que fazer essa defesa. A AGU é de todos. E quando todos precisam atuar, você destina advogado ‘ad hoc’. O presidente Eduardo Cunha não quis que a AGU o defendesse, foi um advogado privado. E sei que muitos advogados da AGU inclusive ficaram magoados com isso. E corretamente, porque a AGU atua na defesa de todos os órgãos da União.

Agora, se existe um litígio entre órgãos da União, o que eu faço? Sinceramente não entendi. Eu jamais privaria o presidente Cunha, se ele quisesse utilizar da AGU como a presidenta quis, de ter o seu advogado. E se o advogado lá dissesse que não há golpe nenhum… Ora, é o debate jurídico normal. O advogado da AGU que fizesse a contestação do que estou dizendo seria igualmente respeitado. Agora, por que não respeitam então aquilo que eu digo como defensor? Não há lógica para mim. Nós estamos em um Estado democrático de direito e a AGU atua como advogado de todos que tem atos praticados em exercício da função. É o que diz a lei.

Então se o presidente Eduardo Cunha quiser a AGU, terá. O presidente Renan terá. Se o vice-presidente Michel Temer… Eu ofereci, em caso de impeachment também, que a AGU advogasse para ele, é óbvio. Eu não consigo entender essa concepção, especialmente quando são atos praticados em exercício da função e que a AGU deu parecer.

As críticas não vão tolhê-lo.
Em hipótese nenhuma. Eu sempre me governei pela minha consciência, claro, e pela minha compreensão do Estado de direito. E acho que um governante que pratica atos em exercício da função, particularmente quando seu próprio órgão jurídico deu um parecer dizendo que ele poderia fazer certa coisa, esse órgão jurídico tem que defendê-lo. Claro, na vida privada, não. Se a presidente Dilma estivesse sofrendo uma ação de despejo por falta de pagamento, se tivesse uma briga familiar, por óbvio a AGU não entraria. Mas ela está sendo acusada de ter praticado atos em exercício da função e sofre um processo de impeachment por isso.

Como ministro da Justiça, o sr. teve papel no início da Operação Lava Jato, pois a pasta comanda a Polícia Federal. De certa forma a operação repercute e tem influência no que ocorre agora. O sr. hoje faria algo diferente?
Não faria. É muito comum comparar a corrupção com um tumor, que se desenvolve no corpo de forma silenciosa e vai tomando conta. Muitas vezes, o paciente tem isso dentro dele e se acha absolutamente saudável, porque o tumor não é conhecido. Até que ele vai fazer um check up e o médico diz: ‘Epa, acabei de encontrar um câncer em você’. A primeira reação é de profunda irritação, e raiva até, do médico. ‘Esse médico é um idiota, estou me sentindo muito bem’. O médico que colocou a doença sob a luz do sol passa a receber um ódio imediato do paciente. O médico às vezes recomenda uma quimioterapia, um tratamento radical. Você começa a sofrer com isso e passa a ter uma raiva desse médico. Muitos querem mudar de médico para encontrar um que diga ‘deixa eu ver melhor…’. Mas depois que o cara se cura desse tumor, ele vai passar a perceber a importância desse médico. Às vezes tem que passar muito tempo. É assim que eu vejo o processo [atual].

A corrupção no Brasil sempre existiu historicamente, nosso sistema político é marcado pela corrupção, não estou dizendo nenhuma novidade. Quem não reconhece isso ou não conhece a história do Brasil ou é uma pessoa hipócrita. A corrupção sempre existiu. A diferença é que se criaram mecanismos que permitiram o detectar dessa doença, que foram criados nos govermos Lula e Dilma. A autonomia da Polícia Federal, da forma que foi dada, foi nesses dois governos, e a nomeação do procurador-geral que age com independência. Tem peso nisso. O respeito ao primeiro colocado da lista do Ministério Público. Todos esses fatores somados fizeram com que a doença fosse diagnosticada e que uma terapia agressiva contra esse tumor fosse colocada.

Eu não posso negar que às vezes essa terapia fugiu um pouco do padrão porque existiram alguns atos a meu ver abusivos, como a divulgação das gravações [entre Dilma e Lula], como o Supremo reconheceu, a condução coercitiva do ex-presidente Lula, ou outras que tenham acontecido nas mesmas condições. A condução coercitiva tem que ser utilizada com um certo cuidado nos termos da lei, não pode ser utilizada numa situação de espetáculo ou que não se justifica, não se faz assim com o direito das pessoas. Investigação boa é aquela que se faz com respeitos aos direitos. Mas, grosso modo, tirando um desvio aqui, um abuso aqui, um abuso lá, que infelizmente acho que existem, a Lava Jato foi muito importante para o país.

O problema é que nós estamos padecendo como o médico que fez o diagnóstico. Mas a história reconhecerá. Eu não tenho a menor dúvida. Na hora em que o paciente se acalmar e perceber… Tanto que hoje eu tenho visto muitas declarações de pessoas dizendo, ‘puxa, se a Dilma sair, será que a Lava Jato continua?’ Começaram a se dar conta. Eu acho que esse processo é irreversível, se alguém conseguir reverter, vou lamentar muito.

Muitos dos que votaram na sessão de alguma forma sofreram os efeitos da Lava Jato.
Eu acho que de fato muitos ficaram incomodados porque foram injustiçados ou porque não foram. Mas eu não costumo acusar as pessoas dessa forma, acho muito ruim fazer acusações às pessoas sobre as quais elas não foram condenadas. Eu acho que o mais engraçado é como as pessoas gostam de acusar quando foram acusadas em uma dimensão até diferente.

Para mim o símbolo maior é o presidente Eduardo Cunha. Que faz acusações ao nosso governo quando pairam sobre ele –e não quero nem prejulgar– acusações muito mais pesadas, aliás, acusações reais, que não existem contra a presidente Dilma.

Veja que paradoxo. Conduziu o processo de impeachment um homem que tem acusações de ter conta no exterior, de ter mentido no Parlamento, e ele está exercendo o poder num processo que não anda, e a presidente que é acusada de um problema orçamentário, que todos os governos fizeram, e que não fez nenhum ato depois que o Tribunal de Contas fez [advertência], essa teve o impeachment aprovado. É um paradoxo histórico. A história analisará isso com cuidado.
Fonte:

Folha de São Paulo

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