OMS faz alerta mundial sobre epidemia de ebola na África

O mais grave surto da doença já se alastra por três países do continente africano

Com uma letalidade de até 90%, a febre hemorrágica ebola impõe uma rotina sem contato físico para os habitantes dos três países africanos por onde o vírus se alastra sem controle. Beijos, afagos, abraços, um simples aperto de mão estão proibidos por uma questão de vida ou morte: não há prevenção nem tratamento para a doença, que já matou 337 pessoas desde março, quando teve início o mais letal surto já registrado até hoje.

Na última segunda-feira, a organização Médicos sem Fronteiras (MSF), a única que oferece atendimento médico na região, declarou que a epidemia estava “sem controle”. Ontem (25), a Organização Mundial de Saúde (OMS) confirmou que a doença “não está controlada”.

— Esta é a primeira vez que estamos diante de uma epidemia com estas características, com focos ativos em três países distintos e em uma região onde nunca antes havia aparecido o vírus (a África Ocidental) — afirmou ontem a porta-voz da OMS, Fadéla Chaib. — A epidemia não está controlada e não estará até que a última pessoa infectada tenha passado 42 dias (período máximo de incubação) sem desenvolver a enfermidade.
São mais de 60 localidades atingidas em Guiné, Serra Leoa e Libéria, entre elas capitais e cidades de grande porte. Desde 1976, quando o vírus foi descoberto na República Democrática do Congo (antigo Zaire), esta é a primeira vez que a doença surge em tantos lugares diferentes ao mesmo tempo, o que dificulta o tratamento e a contenção do surto.

— Chegamos ao nosso limite — afirmou o diretor de operações de MSF, Bart Janssens, em comunicado, lembrando que há 300 profissionais de saúde da organização atuando na área. — Apesar dos recursos humanos e equipamentos já enviados aos três países afetados, não podemos mais enviar equipes para novos locais onde a doença surgiu (recentemente). A epidemia está fora de controle e há um risco real de proliferação para outras regiões.
Disseminação em larga escala
No passado, os surtos foram registrados em pequenas localidades no meio da floresta ou em áreas rurais muito isoladas, o que facilitava a contenção.
— Agora, o caráter do surto é inteiramente diferente — sustenta a infectologista da Fiocruz Valdilea Veloso. — Há vários casos já registrados em capitais, onde vivem muitas pessoas aglomeradas, onde há aeroportos, além de pobreza, falta de equipamento e de conhecimento. O potencial de transmissão é muito maior. É preciso um esforço coordenado de diferentes instituições para que a mensagem chegue rápido ao maior número possível de pessoas. É difícil que uma organização consiga fazer isso sozinha.
De fato, Janssens fez um apelo mundial pela gravidade da situação:
— A OMS, os países afetados pela doença e seus países vizinhos precisam enviar os recursos necessários para responder a uma epidemia dessa escala. O ebola não é mais uma questão de saúde pública limitada à Guiné: a doença já está afetando toda a África Ocidental.
Embora exista a possibilidade de disseminação da doença para fora do continente por meio de viagens aéreas, a OMS não emitiu, por enquanto, nenhum alerta ou proibição de deslocamento. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) informou que “a vigilância de passageiros já é parte da rotina nos portos e aeroportos e tem como referência os alertas de saúde e situações epidemiológicas que estão ocorrendo no mundo. Neste período de Copa estamos fazendo um reforço nesta vigilância, o que inclui passageiros e suas bagagens”.
O clínico geral Paulo Reis, de 42 anos, que trabalha para Médicos sem Fronteiras, atesta a análise de Valdilea e fala sobre as dificuldades em campo. Ele voltou há um mês de Guiné se prepara agora para embarcar, na segunda-feira, para Serra Leoa. Mas já trabalhou em dois outros surtos de ebola e marburg (um vírus hemorrágico bem parecido) em Uganda, há dois anos.
— A primeira diferença que eu notei foi a quantidade. Dessa vez, tem muito mais paciente, muito mais gente infectada — contou ele. — Além disso, o surto está muito espalhado por diversos lugares, há muitas pessoas viajando de um lado para o outro. Por fim, em Uganda as pessoas já conheciam a doença e na Guiné, ninguém nunca tinha ouvido falar dela (incluindo médicos). Há muitos profissionais locais que se dispõem a trabalhar conosco, mas a organização é toda nossa.

O vírus é transmitido pelas secreções corporais das pessoas infectadas. Por isso, evitar o contato físico é primordial como medida de prevenção. Além disso, os pacientes precisam ser completamente isolados e os médicos devem trabalhar inteiramente cobertos por luvas, gorros e óculos para impedir o contágio. Não é uma rotina fácil de encarar mesmo para os tarimbados médicos da organização, que já estiveram em diferentes epidemias graves em áreas muito pobres e mesmo em regiões de conflito.
— O mais difícil é lidar com o paciente no isolamento, principalmente quando é uma criança — conta Reis. — Como a possibilidade de sobrevivência é muito baixa, abate muito as pessoas. Em geral, os médicos estão acostumados a verem seus pacientes (ou pelo menos a grande maioria deles) sobreviverem, serem curados. Não é o caso com o ebola. Você vê o paciente entrando no hospital caminhando, aparentemente sem nada muito grave, acompanha aquela pessoa durante um tempo, mas não consegue ajudá-la. No fim, a maior parte acaba morrendo. Para mim, isso é o mais difícil.
Desgaste físico e emocional

Pelo desgaste físico e emocional dos profissionais, eles só podem ficar em campo por um mês, dois meses no máximo — o que acarreta mais uma dificuldade na hora de montar novas equipes.
— Não dá para ficar muito mais tempo do que isso, justamente porque é tudo muito intenso — diz Reis. — Trabalhar com a roupa de proteção é desgastante. E como há muita preocupação de evitar a doença, a política de contato é muito restrita, você se sente muito isolado. Porque não é só em relação aos pacientes. É entre todo mundo. Não podemos apertar a mão de ninguém, abraçar, fazer nada, justamente para evitar qualquer infecção. Porque se tivermos uma febre (mesmo que não seja ebola), vamos ter que ir pro isolamento. Então é preciso evitar qualquer infecção que abra espaço para dúvida, para uma situação psicologicamente muito difícil.
Para não perderem completamente a noção do contato humano, as pessoas se abraçam sem encostar uma na outra, num gesto sem a ação. E, em vez de apertarem as mãos, encostam os cotovelos, no único contato seguro em meio a mais letal das epidemias conhecidas pelo homem.

Por: O Globo

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