Produtores rurais criticam monopólio e esperam nova ferrovia

Os dados do Movimento Pró-Logística, que reúne o setor produtivo de Mato Grosso, apontam que, anualmente, 72 milhões de toneladas de soja e milho são entregues pelo Estado .(Foto:Ilustrativa Reprodução)

Há mais de sete anos, produtores rurais de Mato Grosso esperam um desfecho sobre a construção da Ferrogrão. A possibilidade de contar com uma ferrovia que passe a carregar os grãos para o Norte do País, encurtando em quatro dias o tempo de viagem até o litoral brasileiro, além de reduzir a rota até a Ásia e o mercado europeu, foi o que levou os próprios empresários a proporem sua construção.

Ao contrário de todos os demais projetos de grande porte que hoje compõem o plano de expansão das estradas de ferro no País, não brotou do setor público, mas do setor privado. Foram as tradings que bolaram o projeto. Amaggi, ADM, Bunge, Cargill e Dreyfus contrataram a estruturadora Estação da Luz Participações (EDLP) para abrir o mapa e riscar o traçado da ferrovia, paralelamente à rodovia Cuiabá-Santarém, a BR-163, uma região marcada por conflitos fundiários e desmatamento.

O fato de o projeto nascer do setor privado decorre diretamente do interesse que as empresas têm no empreendimento. “Não é só o produtor que precisa dessa ferrovia, isso é um projeto de País, porque ela será um divisor de águas, vai mexer com a economia nacional”, disse ao Estadão o empresário Eraí Maggi Scheffer, dono do Grupo Bom Futuro, empresa que hoje planta soja, milho e algodão em uma área de mais de 500 mil hectares.

Conhecido como o “rei da soja”, Eraí Maggi, primo do ex-ministro da Agricultura Blairo Maggi, diz que, atualmente, as cargas que deixam Mato Grosso “já saem pelas quatro bandas do Estado” – referindo-se às ferrovias da Rumo pelo sul, às estradas BR-364, via Rondônia, e BR-163 e BR-158, pelo Pará. Faltam, porém, rotas ferroviárias.

“Tem espaço para as duas ferrovias, a Ferrogrão e a malha da Rumo. Está havendo um equívoco nessa ideia de que, se uma fizer um trecho primeiro, vai abafar o trecho da outra. Essa situação é ruim. As duas são interessantes porque trazem competitividade, é o que vai melhorar o preço. Esse monopólio não é bom”, comentou.

Os dados do Movimento Pró-Logística, que reúne o setor produtivo de Mato Grosso, apontam que, anualmente, 72 milhões de toneladas de soja e milho são entregues pelo Estado. Esse foi o volume verificado no ano passado e que deve se repetir em 2021. Até 2030, porém, o cenário previsto é que esse volume salte para 125 milhões de toneladas.

Edeon Vasques, diretor-executivo do Movimento Pró-Logística, chama a atenção ainda para o declive da ferrovia, ao longo de seus 933 km. “Os estudos mostram que essa ferrovia tem início com uma altitude de 384 metros em Sinop para chegar com 15 metros de altitude em Miritituba. Tem algumas serras no caminho, mas são facilmente ultrapassadas e o resultado final é positivo”, diz.

Os cálculos oficiais estimam que a Ferrogrão teria potencial de reduzir o preço do frete em pelo menos 40% no momento que começar a rodar. “Essa ferrovia já tem um mercado cativo, nasce com a carga e vai absorver. Há disputas, porque sabem que vai baixar o valor do frete. Agora, tentativas de reduzirem o interesse pelo empreendimento não se sustentam e não interessam ao País”, comenta o diretor-executivo do Movimento Pró-Logística.

Antônio Galvan, novo presidente da Associação dos Produtores de Soja e Milho de Mato Grosso (Aprosoja), é mais taxativo. Ao Estadão, disse que os produtores já cobraram o ministro da Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas e a Confederação de Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) sobre a abertura de novas rotas na região.

“Não se pode impedir o crescimento do País por causa de um interesse só. A Ferrogrão tem que vir, para ter concorrência. Isso é o que fará o produto chegar mais barato na mesa do consumidor”, declarou Galvan.

A viabilidade do maior projeto de infraestrutura de transportes do País encara, há anos, o desafio de transpor uma série de impactos socioambientais. Antes de ter seus trilhos lançados sobre o solo, a Ferrogrão, que promete reorganizar o mapa nacional do transporte de cargas, precisa comprovar que sua viabilidade não significaria a redução de florestas protegidas no meio da Amazônia, a invasão de terras indígenas demarcadas ou ainda a deterioração social. Mas os desafios não acabam por aí. A abertura de uma nova rota de escoamento do agronegócio tem mexido, e muito, com a concorrência do setor logístico. É uma briga de gigantes.

Nos últimos quatro meses, a reportagem do Estadão ouviu dezenas de consultores ligados à área de transportes, agentes da cúpula do Ministério da Infraestrutura, fabricantes do setor ferroviário, associações, grandes produtores rurais e as próprias concessionárias de ferrovias. Os relatos dão conta da forte disputa que envolve hoje a consolidação logística do Centro-Oeste do País, região que concentra o maior polo de produção de grãos.

De um lado estão aqueles que defendem a realização do leilão planejado pelo governo e buscam parcerias para viabilizar a ferrovia. De outro, estão nomes que já atuam na região e que enxergam na Ferrogrão um concorrente que pode colocar planos futuros em xeque. É exatamente esse o caso da Rumo, empresa logística que pertence ao Grupo Cosan.

A oposição que a companhia faz ao empreendimento tem uma razão clara: a abertura de concorrência que a nova ferrovia pode gerar sobre os trilhos que a Rumo já administra nas regiões Centro-Oeste e Sudeste do País, jogando o preço do frete pra baixo e consolidando a saída dos grãos pela Região Norte do País.

Com seus 933 quilômetros de malha, a Ferrogrão tem previsão de ligar Sinop (MT), centro nacional da produção de soja e milho, às margens do Rio Tapajós, em Itaituba, no Pará. Ali, a produção que chegaria nos trens de carga seria despejada em barcaças, seguindo por uma hidrovia que acessa o Rio Amazonas e, desse ponto em diante, qualquer lugar do planeta.

Outras gigantes ferroviárias e investidores de logística, como a VLI, da mineradora Vale, e o bilionário Fundo Pátria, dono da empresa Hidrovias do Brasil, não escondem o interesse na Ferrogrão.

O que está sobre a mesa é um jogo logístico bilionário que envolve movimentos futuros de cada companhia do setor. Em março de 2019, a Rumo desbancou a VLI e venceu o leilão da parte sul da Ferrovia Norte-Sul, com um lance surpreendente de R$ 2,719 bilhões. A VLI era vista como a mais forte do páreo, porque já era dona do trecho norte da ferrovia – Porto Nacional (TO) a Açailândia (MA). Ocorre que a empresa ficou a ver navios, com seu lance de R$ 2,065 bilhões. Ao oferecer mais que o dobro do lance mínimo estipulado, de R$ 1,35 bilhão, a Rumo passou a controlar o trecho de Porto Nacional até Estrela D’Oeste. E não ficou por aí.

No fim do ano passado, a Rumo renovou, por mais 30 anos, a concessão da Malha Paulista, trilhos que cortam todo o Estado de São Paulo, até chegar ao porto de Santos. A empresa se comprometeu a injetar mais de R$ 6 bilhões nessa rede. Há ainda uma terceira malha nas mãos da Rumo, a Ferronorte, ou Malha Norte, que liga os trilhos de São Paulo até a cidade de Rondonópolis, em Mato Grosso. Com essa estrutura, a Rumo passou a ter o monopólio ferroviário do transporte de grãos mato-grossense. É nesse ponto que a disputa se acirra.
Resistência

O ministro da Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas, já recebeu diversos pedidos para que fosse assinada uma autorização que liberasse a ampliação da Ferronorte, saindo do sul de Mato Grosso, em Rondonópolis, para chegar até Lucas do Rio Verde. Isso significa estar ao lado de Sinop, onde começa a Ferrogrão. Na prática, a empresa quer se antecipar e espera que o governo libere a construção de uma nova malha de 600 quilômetros de extensão, sem submeter esse novo trecho a eventuais concorrentes interessados em explorar o traçado. Como o governo federal resistiu à ideia, a Rumo recorreu ao governo de Mato Grosso e conseguiu autorização do Estado para tocar a obra.

Hoje, novas ferrovias só podem ser construídas no País por meio de concessões. Um projeto de lei que tramita no Congresso pretende acabar com o modelo atual, passando a emitir autorizações simples de obras, sob a conta e risco do empreendedor. Com o avanço da liberação de obras por Mato Grosso, o governo federal redobrou sua pressão para que o tema caminhe no parlamento.

A reportagem questionou a Associação Nacional dos Transportadores Ferroviários (ANTF) sobre o que pensa a respeito da Ferrogrão e da disputa entre as empresas. A associação declarou que “apoia iniciativas e projetos que ajudem a promover a expansão da malha ferroviária do País e o necessário crescimento da participação do modal na matriz de transporte de cargas brasileira”.

O Estadão perguntou à Rumo sobre questionamentos da empresa a respeito da viabilidade e concorrência que a Ferrogrão poderia trazer às suas operações. A companhia declarou que, “como maior concessionária de ferrovias do Brasil, a Rumo acompanha com toda a atenção os demais projetos em sua área de atuação, a exemplo de processos de renovação antecipada de outras concessionárias e o anúncio de novas licitações – sem que haja no momento nenhuma definição quanto a eventuais participações”.

Ao falar sobre seus próprios projetos, declarou que “também vem estudando e discutindo investimentos atrelados à renovação antecipada da concessão da Malha Sul e à extensão da Ferronorte, além de projetos portuários que eventualmente tenham sinergia com suas operações”.

A disputa empresarial e os questionamentos sobre a viabilidade econômica da Ferrogrão devem-se, basicamente, à possibilidade de que a ferrovia retire a carga que hoje é transportada pelos trilhos que levam aos portos do Sudeste, por meio das malhas Paulista e Norte, ambas administradas pela Rumo. Ocorre que a migração das cargas para o chamado “arco norte” já é uma realidade consolidada.

Os terminais portuários da Região Norte do País, abastecidos pelo que chega até as hidrovias dos rios Madeira, Amazonas e, agora, Tapajós, já respondem por praticamente metade da carga do agronegócio que deixa Mato Grosso. Essa mudança de rota tem ajudado a desafogar os portos abarrotados de Santos e Paranaguá, no Sudeste-Sul. Com a construção da Ferrogrão, porém, projeta-se um impacto profundo no preço do frete ferroviário em toda a região.

Os concorrentes da Rumo são claros ao tratar do assunto. “A VLI, companhia de soluções logísticas integradas, com forte presença em operações e investidora em prol do desenvolvimento do arco norte brasileiro, apoia o avanço da infraestrutura nesta região, a nova fronteira agrícola do País”, afirmou à reportagem a companhia ferroviária controlada pela mineradora Vale.

A empresa declarou que “um dos importantes projetos nesse sentido é a Ferrogrão”, porque “esse projeto ferroviário trará um incremento de competitividade ao mercado, com resultados positivos para o País no longo prazo”. A avaliação é a mesma entre os executivos da Pátria Investimentos, dona da Hidrovias do Brasil, empresa de logística que atua com terminais em Miritituba, distrito de Itaituba, no Pará, previsto para ser o ponto final da ferrovia.

O Estadão apurou que os empresários acompanham de perto o projeto e fazem seus estudos. O presidente da Hidrovias do Brasil, Fabio Schettino, confirmou que a companhia avalia parcerias para disputar o leilão, caso ocorra, de fato. “Estamos analisando, talvez possamos ter uma participação minoritária, porque somos uma empresa de hidrovia. Estamos discutindo com interlocutores que têm vocação e interesse, para que possam entrar na operação”, disse Schettino. “Eu acredito que tem muita gente interessada e fazendo conta neste momento. Esse é o projeto de ferrovia com maior viabilidade no Brasil hoje, além de ser completamente sustentável. Não temos nenhuma dúvida disso.”

A Associação Brasileira da Indústria Ferroviária (Abifer) está entre aqueles que veem a expansão da malha com bons olhos e acreditam que há carga para todos transportarem, dado o volume de crescimento projetado para a produção agrícola. “Quanto mais malha ferroviária, melhor para o País. A chegada da Ferrogrão é muito bem-vinda, assim como seria ótimo ter outros trechos construídos por qualquer concessionária. As projeções mostram que não vai faltar carga para nenhuma ferrovia. A indústria cresce com a expansão da malha. Por isso, nós apoiamos todos os projetos”, diz o presidente da Abifer, Vicente Abate.

O processo de licenciamento da Ferrogrão está em análise pelo Supremo Tribunal Federal (STF), depois que o ministro Alexandre de Moraes acatou um pedido de liminar do PSOL que pedia sua paralisação, sob a alegação de que o projeto afeta diretamente terras indígenas e unidades de conservação florestal.

O governo foi ao STF, disse que o traçado previsto não corta terras indígenas e que vai ouvir os povos indígenas que vivem em áreas próximas ao eixo da ferrovia, previamente, como prevê a lei, para definir medidas de redução de impacto e compensação ambiental. No Tribunal de Contas da União (TCU), a análise do edital ainda não foi concluída pela unidade técnica. Sem essas duas questões resolvidas, o governo fica impedido de publicar seu edital ou mesmo prever o leilão.

BRASÍLIA – Nenhum outro projeto logístico recebe mais atenção dentro do Ministério da Infraestrutura. Há mais de cinco anos, bem antes de ser ministro, Tarcísio Gomes de Freitas atua para tentar viabilizar a concessão da Ferrogrão.

O ministro evita comentários sobre os embates entre concorrentes, mas chama a responsabilidade para si ao defender o projeto. “Sinceramente, eu não sou louco de apostar numa ferrovia que não tenha interessados e que não seja viável. Há empresas interessadas, o projeto é absolutamente viável e será um exemplo em licenciamento ambiental, porque é isso que ele deve ser”, disse à reportagem.

No ano passado, a Secretaria Especial do Programa de Parcerias de Investimentos do Ministério da Infraestrutura fez um convite a investidores para conhecer o projeto. Recebeu respostas para 22 agendamentos de entrevistas para tratar do tema.

Freitas ainda acredita que o leilão da Ferrogrão pode ser seu “maior legado”, porque reposicionaria a matriz ferroviária no mapa nacional. “Já temos o que é mais difícil em qualquer empreendimento, que é o investidor interessado. A viabilidade ambiental do empreendimento será confirmada naturalmente. Estamos falando de uma ferrovia que terá selo verde, um modal sem emissões, que será erguido ao lado de uma rodovia em área já desmatada. Isso significa menos acidentes em estradas e zero emissões de gases”, comentou o ministro.

Freitas reafirma que as condicionantes ambientais do projeto serão detalhadas e a prioridade máxima é fazer a obra sem atropelos. “Os povos indígenas serão ouvidos, bem como todos os interessados. Essa ferrovia será um modelo de sustentabilidade, essa é a minha prioridade.”

As ferrovias representam cerca de 15% do transporte de cargas do País, enquanto as rodovias respondem por 65% e as hidrovias, 15%. Para se ter uma ideia, a participação dos trilhos na China chega a 37% do que é transportado, a 43% nos Estados Unidos e a 81% na Rússia.

O Brasil destina apenas 0,6% a 0,8% de seu PIB anual para o setor de transportes, longe do cenário ideal de 2,5% do PIB que teria de manter, por duas décadas de investimentos, para modernizar a sua matriz logística. O Plano Nacional de Logística prevê que o transporte sobre trilhos possa chegar a 30% da matriz nacional até 2025.

André Borges, O Estado de S.Paulo
09 de agosto de 2021 | 10h15

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