‘Só quem sentiu essa dor é capaz de entender a militância’, diz professora surda que reagiu a críticas sobre redação do Enem

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Professora paraense gravou e postou vídeo dizendo que o tema da redação foi propício e direcionado para todos. Post na internet já conta com mais de 2,5 milhões de visualizações.

Está repercutindo nas redes sociais nesta segunda-feira (6) o caso da professora paraense de Letras-Libras Pâmela do Socorro da Silva Matos, que é surda, e reagiu, por meio de um vídeo, à crítica de uma ex-professora dela sobre o tema da redação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) deste ano. Pâmela publicou em sua página no Facebook um vídeo no qual aparece mostrando folhas de papel com mensagens em que apresenta sua consternação e devolve as críticas, dizendo que a docente não fez nada para incluí-la quando ela foi sua aluna, há 15 anos.

O vídeo já conta com mais de 2,5 milhões de visualizações. Pâmela se mostra profundamente indignada com a professora que havia publicado um post na mesma rede social chamando de “golpe” o tema da redação do Enem deste ano: “Desafios para a formação educacional dos surdos”. A ex-professora de Pâmela também publicou na rede social: “A redação foi para: ( ) alunos do 2º grau ( ) professores ( ) candidato a concurso público da área de educação inclusiva?”.

Pâmela respondeu à pergunta destacando que a alternativa correta não foi sequer lembrada como uma opção no post: “calma, professora, vou responder: A resposta correta é: (x) todos. Porém, ‘todos’ você não lembrou… Deixa eu ajudar. Há uns 15 anos você foi minha professora, ou seja, teve aluna surda. E o que você fez para me incluir na sua disciplina? R = N-A-D-A”.

Pamela frisa que vivenciou uma experiência negativa na sala de aula com sua ex-professora porque não lhe foram proporcionadas medidas inclusivas. “Triste experiência: sem interação, sem metodologias, sem espaço para aprender. Eu, surda, totalmente excluída das atividades em grupo, pelos colegas, pela própria professora. Ou seja, que desafio você assumiu como professora de uma aluna SURDA? Você não lembrou que o meu processo educacional envolvia TODOS, colegas, professores, gestão”, frisou.

“Então, querida professora, posso classificar a sua ‘conduta profissional’ como um GOLPE? Nem vou responder, mas REFLITA!”, destacou, Pâmela, pedindo respeito aos surdos. “Surdo também é ser humano! Nós, surdos, queremos espaço, queremos respeito, queremos aprender. Mais respeito!”, escreveu.

Militância

“Só quem sentiu a dor que eu senti é capaz de entender essa militância”, disse a professora Pâmela em entrevista ao G1. “Se não fosse por tamanha dificuldade, hoje eu estaria casada e com filhos, mas, enquanto eu não sossegar, essa realidade excludente não melhorar, não vou quietar”, avalia.

Ela conta que é a caçula de quatro irmãos, a única filha com surdez na família, mas possui duas formações – Pedagogia e Letras-Libras -, duas especializações, e também é a primeira surda com título de mestre no Pará. Pâmela nasceu ouvinte e, com seis anos de idade, teve meningite, o que afetou a sua audição. Aos poucos Pamela foi recuperando a oralidade. “Hoje sou surda profunda, não ouço nada”, diz.

“Através de tanto sofrimento que tive na adolescência e juventude, devido a precária condição de ensino destinada a mim e a preocupação em ajudar futuramente meus pais, ergui forças para seguir adiante”, diz.

“Eu não guardo mágoas de nenhum dos meus ex-professores que me deixaram tristes lembranças, pois na minha época não havia tantas oportunidades como agora (me refiro às leis e às políticas de inclusão), mas, de certa forma, isso não tira as minhas cicatrizes. Quando me deparo com qualquer tipo de injustiça, busco ajudar da melhor forma possível o causador e a vítima”, diz.

“Tive excelentes educadores mas, os melhores que foram capazes de me ensinar alguma matéria eu conto com os meus cinco dedos. Vivi à margem da exclusão social e educacional e, se não fosse pelos meus pais, talvez eu teria desistido de estudar. Meus pais não têm total ciência do que eu vivi lá fora, pois eu não perturbei eles com isso, engolia sozinha no quartinho cada dificuldade. Prometi a mim que um dia eu seria alguém, daria voz e ajudaria minha família. Mas para isso eu precisava persistir”, diz.

Pâmela entrou na militância surda com 14 anos. Ingressou na Associação dos Surdos de Belém como sócia, secretária e, posteriormente, ocupou o cargo de presidente. “Me deparei com situações piores que a minha, um tanto absurdas. Muitos surdos indefesos, outros em caminhos errados, outros com problemas familiares, outros desistindo de estudar devido o forte preconceito e exclusão. Vi que eu precisava me unir ao meu povo surdo”, diz.

Se passaram todos esses anos e, hoje, com 29 anos, a professora Pâmela permanece na militância. “Precisamos ter voz na sociedade . Não foi à toa que meu vídeo viralizou para mais de 2,5 milhões de pessoas”, diz.

Fonte: G1 PA.
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