STF suspende lei que liberava ‘pílula do câncer’; entenda o debate

‘Pílula do câncer’ foi distribuída gratuitamente durante décadas para pacientes

O Supremo Tribunal Federal decidiu nesta quinta-feira pela suspensão da lei que permite o uso da fosfoetanolamina sintética, a chamada “pílula do câncer”, por pacientes com a doença.

O STF julgou a ação direta de inconstitucionalidade protocolada pela Associação Médica Brasileira (AMB), que questiona o texto sancionado em abril pela presidente afastada Dilma Rousseff, o qual libera o porte, o uso, a distribuição e a fabricação da substância, supostamente eficaz no combate contra tumores.

A decisão é provisória porque diz respeito a uma medida liminar na ação direta de inconstitucionalidade, providência tomada para eliminar uma situação de risco a direitos, durante o tempo necessário para o desenvolvimento do processo principal. Portanto, a lei fica suspensa até o julgamento definitivo do tema, que ainda não tem data para acontecer.

Seis ministros votaram pela suspensão do texto, usando argumentos como a falta de testes que comprovem a eficácia do composto e indiquem seus efeitos colaterais.

“Se nós permitirmos ao Parlamento legislar dessa forma na área da farmacologia estaremos abrindo um precedente extremamente perigoso”, disse o ministro Ricardo Lewandowski, presidente do Supremo.

Edson Fachin, Dias Toffoli, Gilmar Mendes e Rosa Weber votaram pela permissão do uso da sustância apenas por pacientes terminais. Na prática, a lei passaria a valer apenas para esses casos.

Segundo Gilmar Mendes, se o acesso fosse suspensa totalmente, os ministros estariam estimulando a judicialização do tema de forma abusiva e sem parâmetro.

Ausente, Celso de Mello não votou.

No mesmo julgamento, os ministros mantiveram suspensas decisões judiciais que obrigavam o governo a fornecer a “fosfo”.
A lei

Sancionado em abril, o texto permitia que pacientes diagnosticados com a doença usassem a fosfoetanolamina por livre escolha.

A sanção da presidente havia sido criticada pela comunidade científica por liberar um composto que não tem registro na Anvisa nem eficácia comprovada.

Produzida há mais de 20 anos, a fosfoetanolamina sintética foi estudada pelo professor aposentado Gilberto Orivaldo Chierice, no Instituto de Química da USP em São Carlos, e distribuída gratuitamente durante décadas para pacientes.

Em abril, o presidente do STF , Ricardo Lewandowski, autorizou a USP a interromper o fornecimento das pílulas, o que levou a uma enxurrada de ação judiciais e pôs a “fosfo” nos holofotes.
Argumentos

Entre os argumentos contrários à liberação da pílula está o desconhecimento sobre a ação e os efeitos colaterais da “fosfo” em humanos. Na ação proposta ao STF, a AMB diz que essas incertezas seriam incompatíveis com direitos constitucionais fundamentais, como o direito à saúde, à segurança e à vida.

“Está sendo autorizado o uso de uma substância que as comunidades brasileira e internacional não conhecem em relação ao câncer. O medicamento serve para quê? Em que dose? Deve ser usado como? Qual doente pode usar? Não temos absolutamente nada disso”, disse o presidente da AMB, Florentino Cardoso, à BBC Brasil.

Para Cardoso, os estudos feitos até agora sobre a ação da substância em tumores não comprovam sua eficácia e nem expõem seus riscos.

Por outro lado, os pesquisadores que estudam a molécula dizem que trabalhos publicados no país e internacionalmente indicam a eficácia da fosfoetanolamina.

Um dos principais pesquisadores da área e autor de 12 estudos sobre o tema, o imunologista Durvanei Augusto Maria diz que a substância impede o crescimento de tumores e evita a formação de metástases, ao induzir a liberação de enzimas que matariam a célula doente. Além disso, teria um “afinidade química” para penetrar nas células tumorais, poupando as saudáveis.
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Image caption Após aprovação por Câmara e Senado (acima) e sanção por Dilma, STF julga uma ação que questiona a lei que libera o porte, o uso, a distribuição e a fabricação da substância

Maria também cita estudos de universidades alemãs, financiados por indústrias farmacêuticas, que estariam avançados na fase de testes com humanos.

“Já está sendo feita a avaliação de risco. É expressivo o aumento da sobrevida, o controle do crescimento e da invasão.”

No entanto, o presidente da Associação Médica Brasileira menciona também os resultados dos primeiros testes feitos pelo Ministério da Ciência e Tecnologia neste ano. Relatórios divulgados em março falavam que a “pílula do câncer” produzida na USP de São Carlos não era tóxica, mas também não combatia os tumores. Novas análises já estão programadas.

Logo depois da divulgação, o professor Gilberto Chierice questionou, em um ofício da Defensoria Pública da União no Rio de Janeiro, os resultados obtidos pelo ministério. Durvanei também participou da elaboração do documento. Segundo ele, um dos problemas das análises foi a ordem de grandeza testada, menor que aquela já usada em outros testes.

– BBC Brasil
Ingrid Fagundez Da BBC Brasil em São Paulo
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CRM no Pará desestimula uso da pílula do câncer.

Médico oncologista Celso Fukuda (Foto: Anderson Silva / Ag. Pará- O Conselho Regional de Medicina (CRM) repercutiu em Belém a nota do Conselho Federal de Medicina que recomenda aos médicos não prescreverem a pílula do câncer – a substância fosfoetanolamina sintética – até seu reconhecimento científico com base em evidências de sua eficácia e segurança, a serem obtidas nas conclusões de pesquisas clínicas.

A substância teve seu uso por pacientes diagnosticados com tumores malignos autorizado por meio de sanção presidencial, na semana passada, da Lei número 13.269, de 13 de abril de 2016, o que tem preocupado várias instituições que atuam na área da saúde. Uma das primeiras entidades a reagir foi a Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa (Interfarma), que criticou a decisão presidencial.

Ontem, o médico oncologista Celso Fukuda admitiu que muitos pacientes com câncer, na esperança de que a fosfoetanolamina seja a cura para a doença, pedem que ele prescreva a medicação. O médico disse que não atende aos apelos: “A gente não pode fazer isso. Só é possível prescrever aquilo a que a ciência dá respaldo”, declarou. Celso considerou a medida da presidente Dilma Rousseff “precipitada”.

Segundo ele, para receitar qualquer medicamento é preciso saber a indicação correta, dosagem, tipo de câncer que irá responder àquela substância, tempo de tratamento e efeitos colaterais, entre outros itens. “À luz da ciência, da medicina, o médico não tem como responder essas questões. Então, é preciso esperar mais pesquisas para ter segurança na hora de prescrever”, defendeu.

Celso, que é da área de oncologia ginecológica, observou também que a fosfoetanolamina ainda está em fase experimental e até pode, no futuro, ser uma droga importante para o tratamento contra o câncer. “Os médicos estão abertos para mudanças e novos medicamentos. Mas, no presente, a gente ainda precisa ter cautela. Precisamos ter evidências científicas”, acrescentou. Ele observou que, na quimioterapia, por exemplo, a dosagem da medicação é calculada de acordo com o peso e a estatura do paciente, enquanto que com a pílula do câncer não é feito esse tratamento específico por paciente. “Você não pode colocar uma dosagem igual para todo mundo”, ensinou.

O presidente do Conselho Regional de Medicina, Paulo Guzzo, ressaltou que o dever institucional da entidade é alertar os médicos e a sociedade brasileira sobre a necessidade de pesquisas clínicas que possam assegurar a eficácia e a segurança dessa substância para posterior uso na rotina da prática médica. “O medicamento para ser incorporado no arsenal terapêutico antes neoplásico tem que ter o seu reconhecimento científico com base em evidencias de sua eficácia e segurança, que é obtida através das conclusões de pesquisas clínicas”, enfatizou.

Somente a partir dessas pesquisas será possível conhecer os riscos e a eficácia do medicamento para que seu uso na oncologia clínica possa ser liberado com segurança, de acordo com Guzzo. “O Conselho de Medicina recomenda aos médicos brasileiros não prescreverem a fosfoetalonamina para tratamento de câncer até que a eficácia e a segurança da substância sejam reconhecidas por evidências científicas. O Conselho não proíbe, mas sim recomenda”.

Decisão do governo federal preocupa professora de farmacologia da UFPA

Professora de Vigilância Sanitária e Farmacologia da Universidade Federal do Pará (UFPA) e tutora da residência de oncologia do Barros Barreto, na área da Farmácia, Cristiane Maia considerou preocupante a decisão do governo de liberar o uso da substância. “Uma droga, para chegar ao mercado, passa por estudos in vitro, depois por estudos pré-clínicos em animais e, em seguida, por pelo menos mais três fases de estudos clínicos em seres humanos. Existe um rigor quanto a isso, porque medicamento não é nem bom e nem ruim, ele é algo necessário, que exige uma prescrição precisa”, observou.

Professora Cristiane Maia (Foto: Igor Mota)
Professora Cristiane Maia (Foto: Igor Mota)

Ela ressaltou a necessidade de, antes de liberar a substância, serem respondidas questões acerca do tipo de tumor para o qual pode ser usada, qual a dosagem para cada paciente, qual o risco do medicamento, qual o tempo de tratamento e se provoca reações adversas, entre outras. “Eu entendo o lado da sociedade, porque é uma doença muito difícil. Mas, nesse momento, não podemos perder a razão. Antes de tudo tem que estudar”, completou.

Sobre declarações de pacientes que alegam que tiveram um resultado positivo após o uso da fosfoetanolamina, Cristiane observa que eles também faziam quimioterapia. “Será que o resultado foi por causa da fosfoetanolamina ou por causa da quimioterapia convencional? Quando você usa várias coisas naquele tratamento, é difícil definir o que realmente está fazendo bem”, disse ela. Para a professora, existe a possibilidade desses testemunhos serem resultado do “efeito placebo”,  quando o paciente faz uso de terapia ou procedimento inerte, mas que apresentam efeitos terapêuticos devido aos efeitos psicológicos da crença do paciente de que está sendo tratado. Por outro lado, observou Cristiane, também há depoimentos nas redes sociais sobre casos de pacientes que utilizaram a substância e tiveram piora em seu estado de saúde.

De acordo com Cristiane, um fármaco começa a ser produzido após dez anos de pesquisa, em média. Em alguns casos, quando o medicamente se mostra promissor, esse tempo pode ser encurtado. “Medicamento não é pílula mágica. O balanço entre benefício e malefício precisa ser avaliado”, explicou. Outro ponto sobre o qual a professora chama a atenção é que, na quimioterapia, a medicação é individualizada e o tratamento se baseia no índice de superfície corpórea do paciente. “Como, de repente, um comprimido, na mesma quantidade, é eficiente para todo mundo e para todos os tipos de cânceres?”, questionou.

Para ela, a medida mais adequada nesse momento seria suspender a decisão que liberou a substância e reforçar os grupos de pesquisa, até que seja descoberta a real eficácia da substência.

Em nota, o Conselho Federal de Farmácia (CFF) já havia assumido posição contrária à liberação da substância sem a observância da legislação vigente. “As exigências feitas na Lei nº 6.360, de 23 de setembro de 1976, de que nenhum medicamento, droga ou insumo farmacêutico, inclusive importado, pode ser industrializado, exposto à venda ou entregue ao consumo antes de ser registrado no Ministério da Saúde/Anvisa, estão alinhadas às adotadas por agências de regulação sanitária existentes em todo o mundo. Não por acaso. A finalidade é proteger a população de produtos ineficazes e/ou nocivos”, diz a nota.

A entidade reiterou que não há comprovação científica de que a substância seja eficaz para o tratamento de qualquer tipo de câncer e as evidências contemporâneas sobre seus efeitos em pacientes com a doença ainda são limitados. “Lamentável também constatar que as autoridades, ao tomarem tal atitude, transferem a responsabilidade pelo uso da substância – que ainda não tem comprovação de eficácia e segurança – para os pacientes, pessoas fragilizadas por uma doença grave e de prognóstico ruim em boa parte dos casos”, completa a nota.

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