Soberania na Selva: a presença do Exército e dos povos indígenas na fronteira mais remota do Brasil
(Foto: Reprodução) – No coração do Parque Nacional Montanhas do Tumucumaque, militares e indígenas convivem em missão conjunta para proteger o território, garantir assistência às comunidades isoladas e combater crimes ambientais em uma das regiões mais remotas e estratégicas do país
No extremo norte do Brasil, onde as estradas não chegam e a presença do Estado é muitas vezes apenas simbólica, um Brasil profundo, quase invisível ao olhar urbano, se afirma com resiliência e propósito. É nessa vastidão verde que se encontra o Parque Nacional Montanhas do Tumucumaque, uma jóia natural que representa não só a maior unidade de conservação em florestas tropicais do planeta, com quase 4 milhões de hectares, como também um símbolo de soberania.
A área, equivalente ao território da Suíça, estende-se pelos estados do Amapá e Pará, fazendo fronteira com a Guiana Francesa e o Suriname. Administrado pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), o parque é um santuário da biodiversidade amazônica e uma zona estratégica para a proteção territorial.
É nesse cenário de desafios logísticos e presença reduzida do Estado que o Exército Brasileiro vem desempenhando um papel que vai além da defesa militar. Em junho deste ano, foi deflagrada a Operação Ágata, uma ação coordenada pelas Forças Armadas com o objetivo de intensificar a fiscalização de crimes ambientais e transfronteiriços, proteger populações indígenas e reforçar a soberania nacional. A operação é coordenada em parceria com órgãos civis e ambientais, como o Ibama, a Polícia Federal e o próprio ICMBio.
“O conceito de soberania aqui é prático e inegociável. Em muitos trechos da fronteira, somos a única representação do Estado. Estar presente é o primeiro passo para proteger”, afirma o General Roberval, comandante da 22ª Brigada de Infantaria de Selva, responsável pela região. A declaração sintetiza o caráter estratégico da missão, que atua em uma das áreas mais isoladas do território nacional, com enormes desafios de comunicação e locomoção.
General Roberval de Almeida. Comandante da 22ª Brigada de Infantaria de Selva General Roberval de Almeida. Comandante da 22ª Brigada de Infantaria de Selva (Foto: Wagner Santana | O Liberal)
Uma das áreas mais críticas da atuação militar está no trecho da fronteira entre Brasil e Suriname, conhecido como Tiriós. Com 593 km de extensão, a região é marcada por uma paisagem inóspita, onde o acesso só é possível por via aérea, por meio de pequenas pistas de pouso operadas pelo Exército. Os rios são as únicas rotas naturais para as comunidades locais, compostas majoritariamente por povos indígenas como os Tiriyó, que vivem dos dois lados da fronteira.
A Comunidade Tiriyó e o Pelotão Especial de Fronteira em Tiriós
O povo Tiriyó, que se autodenomina Wü Tarëno — “eu sou dessa região” — habita a Terra Indígena Parque do Tumucumaque, no Pará, e vilas no Suriname, como Kwamalasamutu. Eles mantêm vivas suas tradições culturais e linguísticas: mais de 50% da comunidade ainda fala exclusivamente a língua tirió, repassada às novas gerações como idioma materno. Apesar do contato mais sistemático com o Estado brasileiro ter começado apenas na década de 1950, os Tiriyó hoje estão organizados em associações como a Apitikatxi, a AMITIKATXI e a Missão Tiriós, que promovem ações de fortalecimento cultural, inclusão social e cooperação com as instituições militares e civis.
O 1º Pelotão Especial de Fronteira (1º PEF), instalado há cerca de 40 anos em Tiriós, é uma das pontas dessa presença do Estado. Com cerca de 40 militares em atuação contínua, o pelotão opera em regime de isolamento por períodos de quatro meses. Um diferencial significativo é a participação voluntária de indígenas na tropa — hoje, cerca de 12 dos soldados são membros das próprias comunidades, contribuindo com conhecimento territorial, habilidades linguísticas e integração social.
Entre esses militares indígenas está o Cabo Yan Tiriyó, jovem da etnia que vive no lado brasileiro, especialmente na Terra Indígena Parque do Tumucumaque, no Pará. O povo Tiriyó também está presente no Suriname, em vilas como Kwamalasamutu. Autodenominados Wü Tarëno, ou “eu sou dessa região”, os Tiriyó mantêm viva sua cultura ancestral, incluindo a língua tirió (ou trio), falada por mais da metade da comunidade como único idioma e transmitida às novas gerações como língua-mãe.
“Nós ajudamos também na tradução da língua indígena para o português. Meu tio também serviu aqui no PEF e foi cabo do Exército, foi isso que me despertou o interesse. Minha maior inspiração foi ele”, relata Yan Tiriyó, com orgulho, hoje atuando como Cabo do Exército em uma das regiões mais remotas do país.
No cotidiano do 1º PEF, as rotinas seguem o padrão militar: treinamento físico pela manhã, revisão das instalações e, à tarde, instruções táticas e práticas com armamentos. “Hoje temos geradores e energia solar para dar suporte às operações. Isso é vital para manter a comunicação, refrigeração de medicamentos e equipamentos básicos funcionando”, explica o Tenente Moreira, atual comandante da unidade, natural do estado de São Paulo, que há dois meses cumpre missão na região.
Proteção ambiental, humanitária e soberania em prática
Mais do que vigilância territorial, a atuação do Exército e da Operação Ágata tem efeito direto na proteção ambiental. A região, embora seja uma das mais preservadas do mundo, também sofre pressões. Dados do Instituto de Pesquisa e Formação Indígena (Iepé) revelam que, entre 2022 e 2023, o desmatamento na área próxima à Terra Indígena Waiãpi cresceu 304%, somando 122 hectares devastados — o equivalente a 170 campos de futebol. A presença militar tem sido fundamental para frear esse avanço, inclusive impedindo que garimpeiros ilegais cruzem a fronteira do Suriname rumo ao território brasileiro, onde a extração de ouro devastaria áreas intocadas.
Durante a última fase da operação Ágata, foram apreendidos 7.300 kg de pescado, cerca de 32 metros cúbicos de madeira extraída ilegalmente, 500 munições de calibre 12 e quase 1 kg de maconha, entre outros materiais ilícitos. As apreensões não apenas revelam a pressão constante sobre a floresta, mas também comprovam a eficácia das ações militares na contenção dos crimes ambientais.
Outro aspecto relevante da atuação na região é o apoio humanitário. O PEF atua com ações de Assistência Cívico-Social (ACISO), promovendo atendimentos médicos, entrega de medicamentos, resgates aeromédicos e doações para as comunidades. Em uma região onde não há hospitais próximos, postos de saúde são precários e o deslocamento é praticamente impossível sem apoio aéreo, esse tipo de atendimento salva vidas. Além disso, reforça o vínculo entre as instituições do Estado e os moradores das comunidades tradicionais, oferecendo cidadania real a quem muitas vezes vive fora do radar das políticas públicas.
Assim, no coração da floresta amazônica, soberania, proteção ambiental e respeito às culturas originárias se entrelaçam em uma atuação que vai muito além da defesa militar. É o Brasil profundo que resiste, mesmo onde parece estar ausente — sustentado pela força da floresta, dos seus povos e da presença de quem escolheu servir em nome de todos.
Serviço
Essa é a primeira reportagem de uma série de 3, que estreia nesta segunda-feira (4), em diferentes formatos nos veículos do Grupo Liberal. Confira:
*Série Operação Ágata – fronteira no Norte do Brasil
1ª reportagem – Parque Nacional Montanhas do Tumucumaque
2ª reportagem – Terra Indígena Waiãpi
3ª reportagem – distrito de Clevelândia do Norte, no Amapá
Fonte: g1 Pará — Belém e Publicado Por: Jornal Folha do Progresso em 04/08/2025/17:11:17
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