Vale tudo pelo Brasil ou O discreto charme da burguesia

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Foto -SOCCER BRASIL – Como todo bom comunista, estou aqui na minha bela casa de classe média, num bairro bucólico com vista para o Cristo Redentor, comendo cookies americanizados e bebendo uma taça de vinho branco. Bom, o vinho não é francês e a taça é um copo, mas faz parte do meu discreto charme burguês. Para compensar, estou assistindo um jogo da NBA, extasiado com a habilidade do MVP da temporada, o mágico Stephen Curry.

Me dei o direito de relaxar um pouco hoje, abandonando minha luta teórica pela implantação do bolchevismo petista porque, secretamente – não contem para meus amigos esquerdistas no facebook – estou animadíssimo com o governo Michel Temer, que vai nos livrar da corrupção e reinstaurar, com a fé de Eduardo Cunha – opa, ato falho, esse aí já foi – a tradição brasileira de mulheres do lar.

Sinto uma paz interna ao imaginar que, a partir de agora, seremos governados por homens com a competência e honestidade de um Romero Jucá, um Moreira Franco, um Eliseu Padilha, capitaneados pelo genial Henrique Meirelles na Fazenda. Cheguei a questionar o fato de todos eles terem feito parte de quase uma década de governos do PT, contudo, a dúvida sumiu da minha cabeça rapidamente quando me lembrei de que, dessa vez, eles serão liderados pelo Michel.

Claro, ele foi vice de Dilma, mas apenas por um cálculo estratégico, com o objetivo de encontrar-se com Joe Biden e, com o apoio dele, salvar o Brasil.

Acho tão injusto, diga-se de passagem, que acusem o Michel de conspirador diante do republicanismo com que ele organizou churrascos no Palácio do Jaburu para assistir as votações do impeachment e comprar – digo, convocar, para o bem do País – os mesmos políticos dos mesmos partidos que sustentaram as gestões Lula e Dilma.

É evidente que, quando eles estavam ao lado do PT esses homens eram canalhas corruptos e agora se transformaram em notáveis próceres da união nacional. E, melhor, com a inestimável colaboração dos ilibados Aloysio Nunes e Aécio Neves, falsamente implicados na Lava Jato por Janot, esse procurador stalinista.

Enquanto assisto as fantásticas cestas de Curry e seu rival do Portland, Damian Lillard, sentado em minha cadeira feita por um designer alemão, com os pés na minha mesa de ladrilhos de Lisboa, regozijo-me com a perspectiva de termos, finalmente, um governo honesto, que salvará a Petrobras e acabará com o vergonhoso aparelhamento do estado, contra o qual Michel sempre lutou – ao menos quando teve tempo, entre a nomeação de um indicado seu para um ministério e de outro para uma estatal.

Talvez seja sonhar alto, mas tenho esperanças de que consigamos emplacar o Coronel Telhada como guardião dos direitos humanos e, inspirados no exemplo de democracia do governo Alckmin, possamos bater em estudantes em escala nacional.

A verdade é que estamos diante de um contra golpe democrático, a única arma capaz de enfrentar os abomináveis sofismas do ministro Cardoso e salvar a Constituição, numa luta sem trincheiras liderada pela racionalidade positivista e de profunda fundamentação jurídica de Janaína Paschoal, a nossa heroína anti-cobras e pró-criancinhas. Afinal de contas, não é porque nunca antes na história desse País um governante qualquer que não seja do PT tenha sofrido acusações de pedaladas, nem venha a sofrer em nenhuma hipótese, que a Dilma não pode ser presa e posta no pau de arara pelos descendentes do coronel Ustra por tal motivo.

Trata-se aí, entretanto, de um óbvio exagero da minha parte, já que a defesa da tortura se dá apenas por um entre os muitos deputados anti PT. E sendo que ele diz essas coisas de brincadeira, para disfarçar sua inclinação para as ideias liberais e do livre mercado, que defende junto ao MBL, futuro detentor do Ministério da filosofia do primeiro período da faculdade, e do DEM, um partido que é a favor do estado mínimo, desde que se trate de um estado governado por um outro partido que não ele mesmo. Ninguém é de ferro, correto?

Enfim, assisto ao meu joguinho e tomo meu vinho feliz com esse novo País que se inicia, decente e plural, desde que ninguém seja petista e, de preferência, de esquerda. No que vejo o Golden State apertar o jogo contra o Portland tenho uma breve recaída e me pergunto se, caso o vice presidente fosse do Psol, o tal mercado e os tais formadores de opinião estariam tão eufóricos. Mas vejo uma cesta de três de Steph Curry e o sorriso photoshopado do Michel e tudo fica bem.

Vale tudo pelo Brasil.

Por João Estrella de Bettencourt

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