Exportadora compra ouro de acusadas de obter metal ilegal de garimpo
Uma busca simples na internet aponta quais são as maiores exportadoras de soja, café, gado ou minério de ferro. Mas quando o assunto é ouro, há um estranho silêncio: presidentes de institutos do setor dizem desconhecer os exportadores, uma vez que a Receita Federal e o Banco Central alegam sigilo fiscal.
O mistério que ronda a exportação do metal é rompido por uma investigação exclusiva da Repórter Brasil, que lança luz sobre qual é a maior exportadora de ouro de garimpo do Brasil. E revela que parte do ouro exportado pela empresa pode ter origem ilegal.
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Trata-se da BP Trading, uma empresa que registrou faturamento de R$ 1,4 bilhão em 2019, e cujos fundadores foram investigados pela Lava Jato quando trabalhavam no Banco Paulista.
Procurada, a BP Trading afirmou que “mantém rigorosos controles quanto à origem do mineral adquirido de seus fornecedores”. Leia aqui a resposta na íntegra.
Fornecedoras acusadas de vender ouro ilegal
Análise dos balanços financeiros da BP revela que a empresa tem entre suas principais clientes duas DTVMs (Distribuidoras de Títulos e Valores Mobiliários, empresas do sistema financeiro autorizadas a adquirirem o metal) acusadas pelo MPF (Ministério Público Federal) de comercializarem ouro ilegal do Pará: a FD’Gold e a Carol DTVM.
Essas duas DTVMs, somadas à Ourominas, são as principais compradoras de ouro ilegal, respondendo pela aquisição de mais de 70% de todo o metal ilegal ou potencialmente ilegal, segundo recente levantamento da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) em colaboração com o MPF.
De todo o metal adquirido por essas empresas em 2019 e 2020 no Pará, ao menos 60% não têm origem comprovada, diz o estudo. Por isso, o MPF entrou com ação civil pública, em agosto, pedindo a suspensão das atividades dessas DTVMs, bem como pagamento de R$ 10,6 bilhões por danos socioambientais.
Além da FD’Gold e da Carol DTVM, uma terceira fornecedora da BP Trading é a Coluna DTVM, que esteve na mira da Polícia Federal por adquirir o metal de garimpos ilegais, conforme mostrou com exclusividade a Repórter Brasil em parceria com a Amazônia Real.
O ouro ilegal, extraído de garimpos clandestinos ou de áreas protegidas (o que é proibido pela legislação brasileira), é “legalizado” no momento em que as DTVMs compram o produto.
O vendedor do ouro preenche uma nota fiscal em papel e auto declara de onde veio aquele minério —fraudadores podem dizer que a origem é um garimpo legalizado. A lei 12.844/2013, que regula a compra, venda e o transporte do ouro no país, afirma que a comercialização do metal acontece a partir da boa-fé do vendedor —isentando assim qualquer responsabilidade dos compradores.
Em investigação publicada em junho, a Repórter Brasil revelou como o ouro que sai da Terra Indígena Yanomami é comprado de forma ilegal por atravessadores e pelas DTVMs, podendo terminar em grandes joalherias brasileiras, como a HStern.
Embora lidere o setor da exportação do ouro que vem do garimpo, a BP não é a maior exportadora do Brasil. Quem comanda o envio ao exterior são as grandes mineradoras, como a Anglogold Ashanti e a Kinross, que atuam da extração à exportação. Já a BP atua somente na exportação, adquirindo o metal das DTVMs, que, por sua vez, compram de garimpos —legalizados ou não.
A BP respondeu por cerca de 10% em vendas a clientes estrangeiros nos últimos dois anos, conforme apurou a Repórter Brasil, em um mercado que exportou 202,6 toneladas (US$ 8,6 bilhões) em 2019 e 2020. Segundo a trading, seus principais clientes estão no Canadá e na Inglaterra.
Mercado concentrado
Essa cadeia do ouro de garimpos tem relação com a Anoro (Associação Nacional do Ouro), já que essas três DTVMs e a BP Trading fazem parte da diretoria da entidade e participam das assembleias da entidade.
Existem ao menos duas ligações diretas entre a BP e o presidente da Anoro, Dirceu Frederico Sobrinho –que começou sua trajetória como garimpeiro e tem bom trânsito no primeiro escalão do governo de Jair Bolsonaro. Uma empresa de Sobrinho (a FD’Gold) fornece ouro e outra refina o metal para a BP Trading: trata-se da Marsam Refinadora, que tem como sócios Sobrinho e sua filha.
“Importante atentar para o quão concentradas estão as irregularidades. Elas estão na mão de poucos atores”, afirma o pesquisador da UFMG Raoni Rajão, responsável pelo estudo sobre a ilegalidade do setor.
“Estamos falando de três DTVMs [Ourominas, FD’Gold e Carol] que compram mais de 70% do metal potencialmente ilegal.”
Procurada diversas vezes, a Anoro não se manifestou.
Cifras bilionárias
Uma fonte ligada ao setor que pediu anonimato explica como funciona o mercado. A demanda pelo ouro começa de fora, com encomendas feitas por empresas internacionais às tradings.
Essas exportadoras, por sua vez, acionam as DTVMs, que compram dos garimpos. “Quem financia a cadeia [no Brasil] é a BP. Ela deposita o dinheiro adiantado nas contas das DTVMs que, por sua vez, têm três dias para quitar a operação.”
Uma análise financeira sobre os balanços destas empresas –tanto as DTVMs quanto a BP Trading– mostra o quanto os resultados da exportadora se destacam.
Se em 2019 DTVMs como FD’Gold e Carol apresentaram receita bruta de R$ 15,6 milhões e R$ 13,5 milhões, respectivamente, a BP Trading declarou, em seu balanço do mesmo ano, receita de R$ 1,4 bilhão, mais que o dobro do registrado em 2018 (R$ 659 milhões).
No exercício de 2019, a trading recebeu em ouro o equivalente a R$ 57 milhões, sendo R$ 18 milhões adquiridos da FD’Gold, R$ 12 milhões da Coluna DTVM e R$ 870 mil da Carol DTVM.
Um outro cliente da trading merece atenção: é o Banco Paulista, alvo da operação Lava Jato nos últimos anos e que movimentou junto à BP um valor de R$ 26 milhões em ouro em 2019.
Ex-sócios da BP denunciados por lavagem
As estreitas relações da BP Trading com o Banco Paulista não se limitam às mesmas iniciais e ao fato de o banco constar como cliente e fornecedor da exportadora em seu balanço de 2019.
A BP foi fundada em 2015 por Álvaro Augusto Vidigal (cuja família criou o Banco Paulista e que possui longa trajetória no setor financeiro) e por Tarcísio Rodrigues Joaquim, então diretor de câmbio do banco.
Ambos foram acusados em maio pelo MPF pelos crimes de organização criminosa, lavagem de dinheiro e corrupção ativa por conta de operações suspeitas no departamento de câmbio do Banco Paulista –que teria “lavado” R$ 48 milhões para a empreiteira Odebrecht. As denúncias ainda não foram apreciadas pela Justiça.
Durante uma operação da PF, três diretores do Banco Paulista foram presos, incluindo Tarcísio Joaquim, mas soltos um mês depois.
A derrocada do Banco Paulista pós-Lava Jato fez com que diversos funcionários do banco migrassem para a BP Trading. Ao menos sete ex-funcionários do Paulista hoje atuam na trading, o que inclui o atual presidente da exportadora, Francisco Ferreira.
Procurado, Vidigal disse que decidiu se afastar da diretoria do Banco Paulista por motivos pessoais e nega participação nos crimes de lavagem de dinheiro e organização criminosa.
Em nota, o advogado João Manssur, que representa Tarcísio Joaquim, diz que o empresário possuía apenas 1% da BP Trading e que não integra seu quadro social desde maio de 2019. A defesa acrescenta que Tarcísio nunca exerceu qualquer ato de gestão ou administração na empresa.
Outro lado
Em nota, a BP Trading disse que a evolução nos lucros da empresa está atrelada a “fatores mercadológicos”, como oferta, preço e escala de produção. A empresa afirmou também que é “condição inafastável para a realização de suas operações que o minério esteja acompanhado da devida documentação pertinente exigida pela legislação em vigor”.
A exportadora disse ainda que o “Banco Paulista é apenas um dos bancos em que a BP Trading possui conta corrente”.
A FD’ Gold limitou-se a afirmar que “desconhece o teor da ação e o objeto do processo [do MPF]”. A Carol DTVM disse que a empresa só adquire ouro em garimpos cuja lavra foi autorizada pela Agência Nacional de Mineração.
A Ourominas disse que possui um “rigoroso sistema de controle interno” para evitar a compra de produto ilegal e que não teve acesso aos autos da ação proposta pelo MPF. Leia aqui as respostas na íntegra.
Exportadoras de ouro sob sigilo
A reportagem tentou, por meio da Lei de Acesso à Informação, obter a relação completa das maiores exportadoras do metal no país, bem como as principais compradoras estrangeiras, sem sucesso.
“Nós não temos dados de quem são essas empresas, para onde exportam ou quais são os compradores. Tudo é resguardado por sigilo. No fim, ficamos sem informações sobre a exportação de ouro no país”, disse José Augusto, presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil, ao comentar sobre a falta de transparência do setor.
Se as DTVMs estão adquirindo o minério de garimpos ilegais, elas estão também contaminando a exportação com o metal fraudado.
O problema é que, pela legislação atual que regula o setor, a responsabilidade pela declaração de origem do ouro é do vendedor. É no momento da venda que o ouro ilegal é “legalizado”, a partir de uma falsa declaração de origem (ou seja, o ouro sai de um garimpo ilegal, mas o vendedor diz que saiu de um garimpo legalizado).
“Estamos estudando maneiras para combater esse problema, aprimorar a fiscalização, melhorar a legislação e evitar que esse ouro ilegal continue circulando e, por consequência, não seja exportado”, afirma o diretor-presidente do Instituto Brasileiro de Mineração, Flavio Ottoni Penido.
Enquanto nada é feito, povos tradicionais que vivem na Amazônia sucumbem à destruição da floresta, à contaminação dos rios pelo mercúrio e à divisão das aldeias.
*Colaborou Maurício Angelo
Por:Repórter Brasil
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