Casa de liderança indígena Munduruku é incendiada em Jacareacanga; MPF investiga o caso

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(Foto:Reprodução) – Ação criminosa ocorreu nesta quarta, 26, nas residências de liderança indígena e cacica de aldeia Munduruku. Incêndios foram provocados após confronto de garimpeiros com agentes da Força Nacional, Polícia Federal e Ibama.

A casa da liderança indígena e coordenadora da associação Wakoborũn, Maria Leusa Munduruku, foi incendiada por garimpeiros, segundo denunciam os Munduruku. A residência alvo do ataque fica localizada na aldeia Fazenda Tapajós, no município de Jacareacanga, sudoeste do Pará, região marcada por conflitos entre garimpeiros e indígenas. O Ministério Público Federal (MPF) solicitou apoio à Polícia Federal para identificar os responsáveis pela ação criminosa. A invasão foi confirmada por indígenas Munduruku em comunicado emergencial divulgado nesta quarta-feira (26). (Veja a carta na íntegra abaixo)

Segundo o povo Munduruku, o ataque foi registrado no início da tarde desta quarta, em que a casa de Maria e da mãe, cacica da aldeia, foram incendiadas e atingidas por disparos, efetuados por garimpeiros. Não houve registro de feridos durante a ação criminosa. A sede da Associação das Mulheres Munduruku Wakoborũn, da qual Maria Leusa é coordenadora, também foi atacada, em março deste ano, em Jacareacanga.

O ataque às casas indígenas ocorreu após confronto de garimpeiros e indígenas pró-garimpo contra agentes da Polícia Federal e Força Nacional, durante a operação Mundurukânia, de combate à prática clandestina de garimpos nas terras indígenas Munduruku e Sai Cinza. Ao todo, dez garimpeiros e alguns indígenas ficaram feridos durante o confronto.

Durante o confronto, o grupo de manifestantes interditou o principal acesso ao município. Em vídeo, um dos garimpeiros aparece atirando contra um objeto em direção à Polícia e um agente reagiu com bomba de efeito moral, dispersando o grupo.

Em outro vídeo, um homem aponta um arco para o helicóptero de agentes federais. Segundo a PF, o grupo também tentou invadir a base da operação para destruir equipamentos. Policiais reagiram com bombas disparadas do helicóptero.

Ao todo, a operação Mundurukânia contava com atuação de 134 agentes da Força Nacional, Polícia Federal e Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). De acordo com a PF, as medidas de contenção foram tomadas para evitar a depredação do patrimônio da União e também dispersar os manifestantes. A PF informou ainda que tem mantido diálogo constante com lideranças locais sobre o propósito da operação.

De acordo com o comunicado Munduruku, a manifestação a favor do garimpo foi incentivada pela prefeitura de Jacareacanga, e os envolvidos teriam tentado queimar equipamentos, sendo respondidos com bomba de gás. Após o confronto, por não terem conseguido atingir os policiais, garimpeiros e seus grupos de indígenas cooptados foram até residências indígenas para atear fogo.

Ameaças

Mundurukus denunciam a ameaça dos garimpeiros em avançar para as aldeias de lideranças Ademir Kaba e Ana Poxo e cometer a mesma ação criminosa.

“É inaceitável que mesmo com a presença da Força Nacional na região a aldeia de uma das nossas principais lideranças tenha sido invadida por homens armados, portando galões de gasolina que incentivam o ódio contra todos nós. Tememos pela vida daqueles que lutam sem cansar para defender a vida do povo Munduruku e o futuro de todos nesse planeta”, diz um trecho da carta.

No comunicado, os Mundurukus pedem a realização de operações da Polícia para prender os suspeitos de envolvimentos nas atividades criminosas, para assim manter a segurança de lideranças indígenas e expulsar invasores das Terras Indígenas (TI). “Pedimos com urgência a presença da Polícia Federal para impedir mais violências, assassinatos e massacres decorrentes do incentivo à atividade garimpeira ilegal e da impunidade aos criminosos, como vemos acontecendo nos Yanomami e na Mundurukânia”, pedem em trecho do comunicado.

A carta foi assinada pelo Movimento Munduruku Ipereg Ayu, Associação das Mulheres Munduruku Wakoborun, Associação Da’uk, Associação Arikico e Conselho Indígena Munduruku do Alto Tapaós- CIMAT.

Pacificação

A Secretaria de Estado de Segurança Pública e Defesa Social (Segup) informou que Jacareacanga já se encontra pacificada após a mediação dos órgãos de segurança Pública do Estado, junto aos indígenas, garimpeiros e também órgãos do Governo Federal. A situação foi contornada e um compromisso firmado para que até às 15h desta quinta-feira (27) todas as Forças Nacionais deixassem a cidade.

O envio de reforço de tropas estudais para a região foi anunciado pelo governador Helder Barbalho (MDB), pelo Twitter, nesta quarta-feira (26).
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Governador Helder anuncia reforço de tropas estaduais em Jacareacanga. — Foto: Reprodução / Twitter

Garimpagem ilegal

A exploração de ouro no território Munduruku acontece desde a década de 1950 e tem se intensificado nos últimos anos, devido a articulações de grupos como ‘Boi na Brasa’, com o uso de máquinas modernas como tratores e escavadeiras hidráulicas. A região indígena abriga cerca de 14 mil pessoas e se estende por cinco TIs entre o estado do Pará e Mato Grosso.

O garimpo ilegal nas terras Munduruku tem apoio de um pequeno grupo de indígenas que permite o acesso de garimpeiros às terras em troca de uma porcentagem na venda de ouro.

Segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), entre 2018 e 2020, a destruição em terras Munduruku triplicou. Nesse período, o garimpo devastou uma área do tamanho de mais de quatro mil campos de futebol.

Ataque à associação indígena
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Escritório da Associação de mulheres indígenas é atacado em Jacareacanga, no PA — Foto: Divulgação

Em 25 de março deste ano, um grupo de dezenas de pessoas atacou a sede da Associação das Mulheres Munduruku Wakoborũn, em Jacareacanga. Segundo o Ministério Público Federal, os autores da depredação foram garimpeiros ilegais e representantes de uma minoria indígena aliciada pelos criminosos.

Os suspeitos destruíram a fachada e móveis do prédio, e colocaram fogo em documentos e outros materiais da associação, segundo indígenas relataram ao MPF, que abriu apuração sobre o caso. Não houve relatos de feridos ou mortos.

Carta enviada ao Supremo Tribunal Federal

No dia 19 de maio, uma articulação de entidades, partidos políticos, representantes indígenas e órgãos públicos enviou ao Supremo Tribunal Federal (STF) um requerimento de concessão de tutela provisória em terras indígenas Yanomami e Munduruku. A petição da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) cobra a atuação urgente do STF diante dos casos de conflitos violentos e violações de direitos nas terras indígenas.

O documento, encaminhado diretamente ao ministro do STF Luís Roberto Barroso, cobra a adoção imediata de providências visando à proteção da segurança e da vida dos indígenas que habitam as Terras Indígenas Yanomami, localizada no estado de Roraima e Munduruku, no estado do Pará, devido invasões de grupos armados formados por garimpeiros ilegais registradas nas terras indígenas.

O documento também pede a elaboração pela União Federal de plano para extrusão de invasores das terras indígenas, a ser apresentado no prazo máximo de 30 dias, e executado em 60 dias subsequentes à aprovação.

As entidades esclarecem que medidas cautelares foram parcialmente deferidas em agosto de 2020, no entanto, desde então estariam ocorrendo uma escala de conflitos, que ameaçam a vida, integridade física e a saúde dos povos indígenas, além de lesar o meio ambiente. Os representantes alertam que nas TIs Yanomami e Munduruku, há risco iminente de genocídio indígena.

Tensão

De acordo com o MPF, desde o dia 14 de março a tensão causada pela invasão garimpeira já vem aumentando, com a chegada de grande número de pás carregadeiras para exploração de minério na região do igarapé Baunilha, próxima a uma das principais bacias que garantem a vida Munduruku. Helicóptero filmado na área é suspeito de dar escolta aos criminosos.

No mesmo mês, o MPF reiterou pedido feito em 2020 à Justiça Federal para que forças federais sejam obrigadas a atuar com urgência para impedir ataque violento dos garimpeiros ilegais aos indígenas. Desde 2017, o MPF alerta as autoridades sobre o aumento da invasão garimpeira ao território Munduruku, mas até agora não há combate contínuo ao crime.

Em agosto de 2020, foi iniciada uma ação de fiscalização do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama), que foi interrompida após visita do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, e da intervenção do Ministério da Defesa. As circunstâncias da interrupção incluíram suspeitas de vazamento de informações sigilosas e transporte de garimpeiros em aviões da Força Aérea Brasileira (FAB) e estão sendo investigadas em dois inquéritos do MPF.

No dia 22 de março, o MPF abriu apuração sobre a ocorrência de improbidade administrativa por parte de autoridades responsáveis por evitar a invasão garimpeira. Na mesma data foi aberta pelo MPF apuração para verificação da ocorrência de dano coletivo aos indígenas porque os criminosos falsificam os registros de resultados para dar a aparência que a mineração ocorreu em lavras legalizadas fora de áreas indígenas, e as compensações financeiras aos municípios são calculadas com base nessas informações falsas.

Confira na íntegra o comunicado emergencial:

“Povo Munduruku pede responsabilidade das forças de segurança do Estado para proteger o povo, lideranças e caciques que são contrários a invasão garimpeira na região.

Essa manhã manifestações a favor do garimpo, incentivada pela prefeitura do município de Jacareacanga, tiveram como alvo o contingente da força nacional e polícia federal que estão na região. Tentaram queimar os equipamentos e foram respondidos com bombas de gás. Não conseguindo atingir os policiais os garimpeiros e seus grupos de indígenas cooptados, foram atacar as casas de nossas lideranças.

Foi ai que a violência contra nosso povo ultrapassou todos os limites. Nesta tarde, do dia 26 de maio, por volta de 12:30h, a aldeia Fazenda Tapajós, onde mora a coordenadora da associação Wakoborun, Maria Leusa Kaba, foi invadida por garimpeiros armados e atacada, atiraram contra as casas e pessoas. Duas casas foram incendiadas, casa da própria coordenadora e de sua mãe, cacica da aldeia. A informação é que ninguém foi ferido, mas todos estão em estado de choque.

A promessa agora é seguirem para aldeia de Ademir Kaba e Ana Poxo, lideranças de nosso povo e fazer o mesmo. Precisamos que as operações da polícia prendam os criminosos que estão nos atacando e mantenham nossas lideranças seguras para realizar seu trabalho e expulsar os invasores de nossas terras, se não isso nunca vai acabar.

É inaceitável que mesmo com a presença da Força Nacional na região a aldeia de uma das nossas principais lideranças tenha sido invadida por homens armados, portando galões de gasolina que incentivam o ódio contra todos nós. Tememos pela vida daqueles que lutam sem cansar para defender a vida do povo Munduruku e o futuro de todos nesse planeta.

Por defender o rio limpo e a floresta em pé estamos sendo vítimas da política de morte desse Governo, que nos deixa à mercê de garimpeiros armados dentro do nosso próprio território.

Pedimos com urgência a presença da Polícia Federal para impedir mais violências, assassinatos e massacres decorrentes do incentivo à atividade garimpeira ilegal e da impunidade aos criminosos, como vemos acontecendo nos Yanomami e na Mundurukânia.

O nosso povo só quer VIVER EM PAZ e TER NOSSOS DIREITOS RESPEITADOS. Não somos nós que pedimos violência. Pedimos apenas a proteção das nossas terras e vidas indígenas pelo Estado, como manda a Constituição Federal. Clamamos por socorro.

ASSINAM: Movimento Munduruku Ipereg Ayu, Associação das Mulheres Munduruku Wakoborun, Associação Da’uk, Associação Arikico, Conselho Indígena Munduruku do Alto Tapaós- CIMAT”

Por Ana Carolina Limão*, G1 PA — Belém

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