Povo Tembé diz que morte de jovem indígena no Pará foi execução e que Polícia ‘encobriu’ provas

image_pdfimage_print

A indígena Naiani Tibir Tembé chora pelo assassinato de seu marido Isac Tembé durante ritual de despedidano nordeste do Pará — Foto: Especia/Raimundo Paccó

Isac Tembé foi morto por policiais militares. Segundo indígenas, os PMs supostamente faziam segurança privada para o dono da fazenda onde ocorreu o crime. Polícia diz que agiu após troca de tiros.

Incoerências de versões sobre a morte da liderança jovem indígena Isac Tembé chamaram atenção de entidades, órgãos públicos e autoridades. O crime ocorreu no último dia 12, durante uma ação da Polícia Militar, na fazenda Boa Vista/Ouro Verde, em Capitão Poço, nordeste do estado. A propriedade faz fronteira com terra indígena.

Isac foi baleado no peito e o tiro atravessou o corpo. Paralelo à investigação oficial da Polícia, a Comissão de Direitos Humanos e Defesa do Consumidor da Assembleia Legislativa do Pará (CDHDC-Alepa) está apurando o caso informou que irá divulgar um relatório nesta quinta-feira (25).

Indígenas Tembé Tenetehara, ouvidos pelo G1, afirmam que o assassinato pode ter sido uma execução e que o corpo e local do crime não foram devidamente periciados. Eles dizem, ainda, que Isac morreu porque, após ser baleado, os PMS demoraram horas para levar a vítima ao hospital. Os indígenas denunciam também que o boletim de ocorrência foi registrado pelos próprios policiais suspeitos do crime. Os agentes continuam na ativa.

De acordo com a versão dos indígenas, os agentes atuavam como milícia privada na fazenda Boa Vista/Ouro Verde. A propriedade fica nas proximidades da área reservada onde vivem, a Terra Indígena Alto Rio Guamá, e pertence ao fazendeiro Nédio Lopes Sales, que cria gado no local. O G1 tentou contato com a fazenda, mas não havia obtido resposta até a publicação da reportagem.
Os relatos dos indígenas contradizem a versão dada pela Polícia. Segundo a versão dos policiais, os agentes foram acionados para uma ocorrência de roubo de gado e eles agiram após serem surpreendidos por disparos de arma de fogo.

Professor de História, Isac era uma liderança atuante na comunidade e na organização da juventude. Ele fundou um grupo, o Kamarar Wà, para fortalecer a cultura do povo Tembé, recuperar danças, músicas antigas e empoderar mulheres. O jovem deixou a esposa Naiani Tibir Tembé, que está grávida de seis meses.

A morte

Isac, segundo os indígenas, havia saído para caçar e atravessava a fazenda com mais três guerreiros, como sempre fizeram, para uma área de mata e não usavam armas de fogo. Neste momento, Isac foi baleado pela PM. Os outros indígenas escaparam.

O corpo de Isac foi encontrado na fazenda, na zona rural de Capitão Poço, mas, de acordo com os indígenas, a propriedade fica na zona de amortecimento da Terra Indígena, que serve para proteger a unidade de conservação de impactos negativos. O povo ainda relata que era comum os indígenas passarem por dentro desse trecho da fazenda para chegar em outra mata e caçar.

Os Tembé contam que mantinham boa relação com o dono da fazenda, e que a violência que culminou na morte de Isac os surpreendeu. A fazenda é vizinha da Terra Indígena, divididos apenas por um rio.
“Esse fazendeiro tem uma espécie de acordo com a aldeia para ele poder ter gado nessa área. A gente conhece tudo por lá, ele era amigo das lideranças indígenas. Nunca que a gente ia imaginar que ele ia mandar fazer uma coisa dessa”, completou uma liderança, que não quis se identificar.
Os indígenas da aldeia São Pedro acreditam que a Polícia teria dificultado o registro do caso na delegacia e tentado impedir a perícia do corpo. Segundo os relatos, Isac não resistiu porque os policiais demoraram cerca de quatro horas para chegar à unidade de saúde, após ele ter sido baleado. A distância do local do crime para o hospital levava cerca de 20 minutos.

Despedida

Os últimos dias após a morte de Isac foram de dor e indignação entre moradores da aldeia São Pedro na Terra Indígena Alto Rio Guamá. A comunidade visitou o local do crime após uma carreata pela cidade em protesto para pedir Justiça. Os rituais de despedida do indígena foram marcados por muita emoção.

O irmão da vítima, cacique Tazahu Tembé, liderança da aldeia, não escondeu o choro durante os rituais e discursou pela memória do indígena:

“Da pessoa que ele era em nossa memória vai ficar só coisas boas, porque vivemos muitos momentos bons com ele. E ele vai estar eternamente junto conosco no nosso movimento, na nossa atividades”, anunciou.
Na semana que sucedeu o assassinato, os indígenas se reuniram para o encantamento do espírito, ritual para que Isac continue entre o seu povo e dance em suas festas (confira no vídeo abaixo).

Policiais sob suspeita

Uma representante do povo Tembé Tenetehara relatou o que o povo tem passado desde a morte de Isac e o que conseguiram descobrir nos caminhos ente a delegacia, a unidade de saúde e a funerária em busca de informações.

O povo indígena acredita que Isac foi executado. Isac teria demorado cerca de quatro horas para receber atendimento médico. Mas o caminho entre o local do crime e o hospital levaria cerca de 20 minutos para ser percorrido. Quando o indígena chegou na unidade já estava morto.

O corpo de Isac chegou à unidade de saúde por volta das 21h do dia 12 de fevereiro. Uma enfermeira do hospital percebeu que o jovem era indígena e avisou uma das lideranças da região, que estava na cidade. Quando ele chegou na unidade, o corpo de Isac havia sido levado para uma funerária de Capitão Poço, onde o corpo permaneceu até o dia seguinte, sem ser periciado.

No fim da noite outros indígenas chegaram à cidade. Juntos eles foram até a delegacia para buscar informações e registrar a ocorrência, mas não foram atendidos. “Ficamos mais de duas hora lá na frente batendo, chamando e não nos atenderam. A gente queria fazer o B.O., mas não conseguimos registrar. Nem PM nem a PC atenderam a gente”, declarou uma liderança que preferiu não se identificar.

Segundo os indígenas, a Polícia Civil não queria liberar o corpo para perícia e estaria autorizando apenas que a comunidade fizesse a remoção para que houvesse logo o sepultamento da vítima. Uma perícia foi realizada apenas após a pressão dos indígenas. No dia 13 de fevereiro, o corpo de Isac foi encaminhado à uma unidade do IML, que fica no município de Castanhal, distante cerca de 140km de Capitão Poço.

O boletim de ocorrência foi registrado pelos próprios policiais, que continuam na ativa.

Para o povo Tembé, a arma foi supostamente plantada no local do crime, já que Isac não usava arma de fogo, apenas um facão.

Investigação policial
A Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social do Estado (Segup) informou, em nota, que a Polícia Civil do Pará se deslocou até Capitão Poço para realização de perícia no local crime.

Ainda segundo a Segup, a PC já ouviu testemunhas e os policias militares envolvidos. As armas utilizadas na ação foram encaminhadas à perícia, incluindo o revólver supostamente utilizado pelo indígena durante o confronto.

Um inquérito policial foi instaurado para apurar a situação. O prazo legal para conclusão é de 30 dias, podendo ser prorrogado.

A Corregedoria da Policia Militar também instaurou Inquérito Policial Militar no dia 15 fevereiro e prossegue aprofundando as investigações.

Direitos Humanos e MPF

A diligência organizada pela Comissão de Direitos Humanos e Defesa do Consumidor, da Assembleia Legislativa do Pará (Alepa), esteve na aldeia São Pedro no dia 16 de fevereiro para esclarecer as circunstâncias do crime e resguardar os direitos do povo Tembé e dos familiares de Isac. O relatório está previsto para ser divulgado às 10h desta quinta (25).

O Ministério Público Federal (MPF) encaminhou ofícios à Polícia Militar, à Polícia Federal, à Polícia Civil e à Fundação Nacional do Índio (Funai) em que são requisitadas informações sobre a morte do indígena.

Na segunda-feira (22), o procurador da República Milton de Souza Júnior visitou a aldeia para ouvir as lideranças indígenas. O órgão disse, por meio de assessoria, que ele ainda não daria entrevistas sobre o assunto para não atrapalhar as investigações.

Por Gabriela Azevedo e Taymã Carneiro, G1 PA — Belém

Envie vídeos, fotos e sugestões de pauta para a redação do JFP (JORNAL FOLHA DO PROGRESSO) Telefones: WhatsApp (93) 98404 6835- (93) 98117 7649.

“Informação publicada é informação pública. Porém, para chegar até você, um grupo de pessoas trabalhou para isso. Seja ético. Copiou? Informe a fonte.”
Publicado por Jornal Folha do Progresso, Fone para contato 93 981177649 (Tim) WhatsApp:-93- 984046835 (Claro) -Site: www.folhadoprogresso.com.br e-mail:folhadoprogresso.jornal@gmail.com/ou e-mail: adeciopiran.blog@gmail.com

 

%d blogueiros gostam disto: