Relato do desaparecimento de um povo
A escalada de violência no conflito entre indígenas e madeireiros na Amazônia levou Thomas Fischermann, jornalista alemão, a Humaitá, no sul do Amazonas, em 2014. A morte de três colonos na região era o ponto de partida para uma reportagem.
Madarejúwa é o protagonista de livro sobre Tenharins
Sua primeira tentativa de contato com membros da etnia Tenharim, da qual cinco integrantes estavam sendo apontados como autores dos assassinatos, foi impedida por militares enviados para reforçar a segurança na área conhecida como 180, localizada no quilômetro 180 da Transamazônica.
Dias após essa tentativa frustrada, Fischermann fez o primeiro contato com os Tenharins. Na época, o jornalista alemão, que não tinha grande ambição por contatos extremos com a natureza e nem era fã de acampar, não imaginava que a reportagem seria o estopim para o livro Der letzte Herr des Waldes (O último dono da mata, em tradução livre), lançado nesta quinta-feira (15/03) na Feira do Livro de Leipzig.
“O mundo ainda não sabe o quão rápido a Amazônia está desaparecendo e, se a floresta continuar sendo desmatada, muitos segredos da natureza e da farmacologia serão perdidos”, afirma Fischermann ao falar sobre a motivação para escrever a obra.
“Além disso, em várias regiões da Amazônia, populações indígenas inteiras estão sendo mortas por madeireiros, garimpeiros, fazendeiros e organizações ligadas ao tráfico. O destino desses povos é pouco conhecido ou noticiado”, acrescenta.
Em Der letzte Herr des Waldes, o jornalista dá voz ao jovem guerreiro Madarejúwa Tenharim, de 21 anos, que divide com o leitor um pouco da história, cotidiano, cultura e desafios enfrentados por seu povo.
“Inicialmente pretendia escrever um livro-reportagem clássico sobre a Amazônia e o que estava acontecendo com os povos indígenas, mas com o tempo senti que precisava de um protagonista. Os Tenharins têm muito a dizer e falam bem melhor sobre a realidade de sua floresta do que eu como visitante”, acrescenta Fischermann.
Cultura ameaçada
Nos quatro anos que seguiram a primeira viagem a Humaitá, Fischermann retornou diversas vezes à região para entender os conflitos que ocorriam ali. E também para conhecer a fundo o cotidiano da etnia Tenharim e os desafios que enfrentam diante do encolhimento de sua reserva, desmatada ilegalmente por madeireiros, garimpeiros e fazendeiros.
Atualmente, cerca de mil indígenas fazem parte da etnia, que já chegou a ser formada por mais de 10 mil pessoas. O grupo vive em uma reserva localizada no sul do estado do Amazonas, atravessada pela rodovia Transamazônica, inaugurada na década de 1970. A estrada trouxe consigo as ameaças que colocam em risco a floresta e suas populações.
Durante o tempo em que esteve pesquisando para o livro, Fischermann acompanhou de perto o processo de transformação em curso na região. Segundo o jornalista, a cada ano que passa a reserva dos Tenharins diminui devido ao desmatamento ilegal. O autor avalia que se a destruição continuar no atual ritmo, a tendência é que a floresta na reserva desapareça em dez ou 15 anos.
Na jornada para produzir o livro, o jornalista se deparou ainda com diversos desafios. O primeiro foi fazer contato com os Tenharins, após ter sido impedido de entrar na reserva por militares em 2014. Superada a barreira, a próxima foi conquistar a confiança dos indígenas, seguida com excursões na floresta que exigem certo preparo físico, algo que, segundo o próprio Fischermann, ele não possuía.
“Depois veio o desafio para escrever, pois os Tenharins têm uma estrutura de comunicação diferente da minha ou a de um leitor europeu. Precisa estruturar a narrativa para o leitor, porém sem mudar a forma como foi contada, sem falsificar a voz do narrador”, conta Fischermann.
Respeito à natureza
Por enquanto, o resultado da incursão de Fischermann na floresta pode ser conhecido apenas em língua alemã. Ainda não há planos de traduzir Der letzte Herr des Waldes para o português. O autor gostaria de publicar a obra no Brasil, mas acha difícil que isso aconteça.
“Durante o período em que morei no Brasil, percebi que os temas da região amazônica despertam pouco interesse por lá. Diversos leitores da minha coluna na DW, questionavam por que eu escrevia sobre a Amazônia se havia outras regiões muito mais interessante no Brasil. Claro que há muitas regiões interessantes no país, mas para mim a Amazônia é uma delas”, afirma o jornalista.
Além de descobrir o gosto por dormir ao ar livre na floresta, a convivência com os Tenharins levou o jornalista a refletir mais sobre seu próprio cotidiano.
“Foi um privilégio e um grande honra vivenciar essa cultura e ver muitas coisas que posso usar na minha vida. Podemos aprender muito com os indígenas. Não como viver na floresta, mas como respeitar a natureza”, destaca.
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