Dia Internacional da Mulher e a Lei Maria da Penha: Avanços e retrocessos – O que comemorar?
(Foto: Reprodução) – A Lei Maria da Penha, em vigor desde 22 de setembro de 2006, dá cumprimento à Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher – conhecida como Convenção de Belém do Pará.
Esse tratado internacional foi o primeiro a criminalizar a violência contra a mulher, principalmente a sexual, tendo sido ratificado pelo Brasil em 1994 e entrando em vigor no país em 27 de dezembro de 1995. A Convenção de Belém do Pará é a base da Lei Maria da Penha e continua sendo a principal referência para o entendimento sociojurídico dessa legislação. Considerando que, em 2025, Belém sediará novamente a Convenção, em comemoração aos seus 31 anos, é importante questionar: quais foram os avanços e conquistas significativas dessa norma: A mulher está, de fato, mais segura e protegida desde sua implementação? Esse é o grande paradoxo: do ponto de vista prático, pouco ou quase nada mudou. O número de feminicídios continua crescendo, atingindo mulheres de todas as faixas etárias. Um exemplo recente foi o assassinato brutal da adolescente Vitória Regina, que sofreu tortura, teve seus cabelos raspados e foi decapitada – um crime cruel e sem precedentes. O que leva uma pessoa a praticar tamanha atrocidade?
A ilusão da solução penal tem levado o país a conviver com a insegurança todos os dias. Ao longo de quase duas décadas, o legislador brasileiro introduziu diversas mudanças na Lei Maria da Penha para torná-la mais rígida, acreditando que o aumento das penas inibiria a criminalidade contra as mulheres. No entanto, os resultados demonstram que essa estratégia não tem sido eficaz. Como qualquer outra legislação penal, a lei tem um papel preventivo, buscando desencorajar a prática criminosa. Porém, quando o crime já foi consumado, resta apenas o isolamento e a punição do agressor, a denominada prevenção especial – que, muitas vezes, sequer ocorre, intensificando o sofrimento das famílias. Além disso, o Estado não oferece medidas eficazes para mitigar os danos irreparáveis causados pelo crime no âmbito familiar e social. É mais comum observar campanhas voltadas para a proteção dos direitos dos agressores do que ações que garantam o amparo às vítimas e seus familiares.
Em 2019, a Lei Maria da Penha passou por diversas mudanças, incluindo a extensão de sua aplicação a mulheres transexuais, conforme decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Mais recentemente, a Lei nº 14.994/2024 tornou o feminicídio um crime autônomo e elevou a pena máxima para 40 anos. Mas será que o remédio para estancar a violência contra a mulher é apenas endurecer as leis? A ciência do Direito Penal já demonstrou que o aumento das penas, por si só, não reduz a criminalidade. Se essa lógica fosse verdadeira, a pena de morte teria eliminado a violência em países que a adotam – o que claramente não aconteceu. Qual o verdadeiro caminho para reduzir a violência? A violência contra a mulher é uma manifestação de um problema estrutural mais amplo. Pergunta-se: como enfrentar esse problema de maneira eficaz? Como reduzir os índices de feminicídio? Como garantir que as mulheres se sintam verdadeiramente seguras?
Antes de qualquer medida legislativa, é fundamental analisar a funcionalidade das instituições responsáveis pela segurança pública. No Brasil, a segurança tem sido tratada como uma política de governo, e não de Estado. Sem bases científicas, sem investimentos adequados e sem planejamento, as ações tornam-se meros paliativos. A segurança pública precisa ser pensada de forma complexa e integrada, com altos investimentos tecnológicos, formação de qualidade para os agentes, criação de bancos de dados baseados em inteligência artificial e modernização das delegacias e a reestruturação das Polícias Científicas dos Estados membros.
Além disso, a cooperação entre instituições precisa ser fortalecida. Hoje, o sistema funciona de maneira fragmentada, herméticas: polícias civis e militares atuam separadamente; Ministérios Públicos e Tribunais operam de forma burocrática e pouco dialogam entre si; a Polícia Federal mantém uma postura elitizada, sem se envolver com o crime desorganizado; defensorias públicas não conseguem atender à crescente demanda da população concomitante a falência do Sistema Prisional. Esse isolamento institucional enfraquece a segurança pública e impede uma atuação eficiente no combate à criminalidade que expande suas atividades para além das fronteiras do nosso Estado.
Outro fator preocupante é o colapso das instituições informais de segurança, como família, escola e religião. A desestruturação familiar resulta na perda do poder parental e no aumento da delinquência juvenil. A liberdade sem limites, o uso de álcool e drogas entre adolescentes, muitas vezes tolerado pelos pais, amplia os conflitos domésticos e sobrecarrega as instituições policiais com chamados que poderiam ser evitados. Paralelamente, a crise educacional transformou escolas públicas em ambientes de risco, onde professores sofrem agressões e alunos convivem com a violência diária. A falta de valores familiares reflete-se na perda do respeito pela fé cristã e pelo convívio social, agravando ainda mais o cenário de insegurança com o rompimento desses pilares. Por derradeiro, não é normal a intervenção policial no seio familiar com desavenças rotineiras, especialmente agressões contra a mulher. Também não é comum a criação de Rondas Escolares e a Patrulha Maria da Penha, essas situações expressam o fracasso da Segurança Pública ante as medidas e o modelo adotado.
A ilusão do punitivismo perpassa pela crença de que leis severas são a solução para todas as mazelas sociais. Infelizmente, no Brasil, predomina essa ilusão. Basta observar a imensa quantidade de leis em vigor. A solução para qualquer problema social tem sido a criação de novas leis penais e o endurecimento das penas. No entanto, não há estudos sociológicos aprofundados sobre os efeitos reais dessas normas no cotidiano da população. O mesmo ocorre com a Lei Maria da Penha: apesar das alterações legislativas, a criminalidade contra a mulher continua alarmante. Para alguns defensores da lei, esse aumento é reflexo do maior encorajamento das vítimas para denunciarem seus agressores. No entanto, essa tese não convence todos os especialistas. É necessário uma reflexão, uma análise dos efeitos latentes da norma em vigor no ordenamento jurídico, será que efetivamente cumpriu seu papel para a qual foi criada? com a entrada em vigor da lei houve de fato redução dos crimes contra a mulher? Na primeira análise a resposta parece ser negativa.
A redução da criminalidade exige um estudo criterioso das suas causas. Não basta punir; é preciso compreender por que o feminicídio ocorre. Sem esse diagnóstico, todas as mudanças legais serão inócuas. Entre os fatores que impulsionam a violência contra a mulher, destacam-se: Problemas culturais e estruturais; Desemprego e falta de oportunidades; Uso de álcool e drogas; Traições e conflitos conjugais; Educação de baixa qualidade; Falta de acessibilidade a serviços públicos essenciais, dentre outros.
O Congresso e o governo tentam combater a violência contra a mulher apenas com políticas criminais. No entanto, a solução passa, necessariamente, por medidas não penais. O Brasil precisa de políticas públicas híbridas, que combinem segurança com desenvolvimento social. Não se trata de abolicionismo penal – leis e penas duras são necessárias –, mas de reconhecer que, sem emprego, renda, educação de qualidade, acesso à saúde e suporte à infância, a criminalidade continuará crescendo. Além dos discursos, medidas concretas devem ser aplicadas. O governo e o Congresso preferem investir em campanhas publicitárias, viaturas cor-de-rosa para delegacias da mulher e programas de acolhimento temporário para vítimas de violência doméstica. Mas essas ações são paliativas e de viés político. O problema exige soluções estruturais, como investimentos robustos em saúde, educação, geração de empregos e creches para que as mulheres possam trabalhar com segurança.
Embora a Lei Maria da Penha tenha sua importância, não se pode ocultar que a violência contra a mulher continua em níveis alarmantes. A cada dia, novas vítimas perdem a vida de maneira brutal, evidenciando a fragilidade da proteção oferecida pelo Estado. No Dia Internacional da Mulher, pouco há a se comemorar quando a realidade escancara a vulnerabilidade feminina e a ineficácia das medidas atuais. A criminalidade não será reduzida com discursos hipócritas ou medidas superficiais. É necessária a atuação firme do Estado, não apenas com repressão, mas com políticas sociais que garantam dignidade e segurança para todas as mulheres. A lei não pode ser vista como uma redoma de ferro capaz de promover a proteção e segurança para todas as mulheres, assim, o que temos de concreto são só lágrimas, lembrando que o Estado é o único responsável pela força de repressão social que exerce com auxílio das polícias e da Justiça Institucional.
*Nota sobre o Autor:
É Advogado regularmente inscrito na OAB – Pa, sob o nº 4725, Professor de Direito penal com Pós Graduação em Ciências Penais com Extensão ao Magistério Superior, Pós graduação em Direito Constitucional, Pós Graduação Latu Sensu MBA pela Faculdade Cândido Mendes – Rj em Segurança Pública, Pós graduação Latu Sensu pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – Pucres – em Segurança pública, ex-Delegado de Polícia Civil, ex-Defensor Público.
Fonte: Carlos Augusto Mota Lima – Advogado e Especialista em Segurança Pública e Publicado Por: Jornal Folha do Progresso em 11/03/2025/15:46:33
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