Estudante autodeclarada negra é indeferida no sistema de cotas da UFPA e cobra banca ‘humanizada’: ‘essa política não pode ser negligenciada’

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Estudante autodeclarada é indeferida no sistema de cotas da UFPA e cobra avaliação mais humanizada. — Foto: Reprodução / Arquivo Pessoal

Clara Costa já cursou serviço social na instituição e integrou movimento negro. Após passar novamente no vestibular, a entrada dela pelo sistema de cotas foi negada pela banca de heteroidentificação. Formadores de opinião defendem pluralidade da negritude na Amazônia.

Sistema de informação é o segundo curso que Clara Costa, de 26 anos, quis cursar na Universidade Federal do Pará (UFPA). A aprovação dela no vestibular para 2022 vem após ela já ter feito serviço social, entre 2013 e 2018. Naquela época, ela já era cotista pela cor e por ser estudante de escola pública.

Mas desta vez, ao voltar à instituição de ensino ela passou pela banca de heteroidentificação de cotistas e teve a entrada negada.

A banca de heteroidentificação foi criada para assegurar que a autodeclaração de estudantes cotistas seja validada pela UFPA. O objetivo, segundo a universidade, é evitar fraudes. No entanto, para Clara, o processo acabou tirando dela o direito de acesso à universidade pelo sistema de cotas, que é uma política de reparação histórica a fim de pluralizar o acesso ao ensino superior.

Clara passou por duas salas, onde preencheu papeis com informações pessoais, incluindo a autodeclaração de etnia. Ela se considera uma mulher negra, com a pele parda.

“Me orientaram a assinar um documento me autodeclarando, preenchi, entreguei o documento, e ele foi avaliado por uma banca de cinco pessoas. Na mesa apenas era uma negra. Não durou nem um minuto. E em seguida fui informada que eu tinha sido reprovada e tinha que seguir para uma banca recursal para eles reavaliarem minha situação”.

Já na segunda banca, desta vez havia com três servidores, ela deveria preencher um novo formulário, com identificação, incluindo as características fenotípicas, e citar três situações de racismo que tivesse sofrido. A estudante conta que o primeiro caso de racismo que lembra ter vivido foi aos 7 anos de idade, com uma professora de ensino fundamental. Ela não precisou falar mais sobre isso na entrevista ao g1.

Clara afirma que o processo de descrever no formulário foi uma nova violência, ao fazê-la reviver novamente as experiências traumáticas do racismo. A análise levou menos de um minuto, segundo ela.

“Foi bem complicado, naquela sala mesmo vi várias pessoas chorando, revivendo seus casos de racismo, me senti muito violentada, porque falar sobre racismo sofrido é um processo doloroso. Já estudei na UFPA, já participei inclusive de vários debates raciais e também vítima de diversas situações de racismo. Tive que descrever naquele momento”.

Segundo a UFPA, de 2010 a 2022, ingressaram 41.309 candidatos negros (de cor parda e preta). Em paralelo ao número de fraudes no sistema de cotas, a instituição afirmou que tinha recebido até 2022 68 denúncias, incluindo casos relacionados a cotas raciais e pertencimento étnico de indígenas e quilombolas.

O resultado da negativa foi publicada no site do Centro de Registro e Indicadores Acadêmicos (CIAC) da UFPA. “Quando recebi, fiquei revoltada, primeiramente porque a banca responde com uma única palavra (indeferido), sem justificativa e sem dar um tratamento humanizado. E, segundo, porque há pessoas brancas deferidas”.

“Então, a banca está pecando nas suas avaliações, sendo totalmente ineficiente no que se propõe que é incluir pessoas negras na universidade, deixando de compreender a diversidade da nossa questão racial”.

Durante a formação em serviço social, Clara inclusive integrou ativamente movimentos negros e chegou a palestrar em eventos acadêmicos sobre questão racial.

Em nota, a UFPA informou que “as pessoas pardas que têm direito ao uso de vaga da cota PPI são aquelas vistas como negras pela sociedade e que, por isso, são discriminadas e agredidas, perdendo oportunidades sociais e/ou profissionais pelo fato de serem negras”.

Ainda segundo a Instituição, a Banca de Heteroidentificação avalia o candidato tomando por referência exclusivamente o fenótipo social, que é um conjunto de características pelas quais as pessoas são vistas e consideradas negras e que lhes deixam vulneráveis às discriminações e ao racismo.

A UFPA afirma que a “ampla diversidade fenotípica das pessoas negras de cor parda as coloca desde próximo às pessoas brancas até próximo às pretas. Quanto menor a presença de traços tipicamente negroides em uma pessoa parda maior a sua permeabilidade na sociedade, que por vezes pode considerá-la como pessoa negra e noutras, como não negra, condição de alternância não vivenciadas pelas pessoas que carregam um conjunto indubitável de marcas de pessoa negra”.

Por isso, segundo a instituição, uma “pessoa que se autodeclara parda pode não ser vista como negra em uma banca de heteroidentificação”. Diante de um indeferimento ao uso de vaga de cota racial, é oferecida ao candidato a possibilidade de heteroidentificação em uma segunda banca.

Estudante indeferida no sistema de cotas já integrou ativamente movimento de mulheres negras. — Foto: Reprodução / Arquivo Pessoal
Estudante indeferida no sistema de cotas já integrou ativamente movimento de mulheres negras. — Foto: Reprodução / Arquivo Pessoal

Subjetividade e diversidade

A banca avaliadora no processo de entrada de estudantes cotistas tem um caráter subjetivo. A jornalista e pesquisadora, Flavia Ribeiro, que também é formadora de opinião sobre as causas negras no Pará, defende que a banca é uma conquista para evitar fraudes, assim como as cotas são para reparar a exclusão histórica de pessoas negras no ensino superior, e mais recentemente também em outros âmbitos, como em concursos públicos.

“(A avaliação) É uma medida necessária e precisa ser subjetiva, porque não tem uma como ser medida objetiva, avaliando por exemplo, se a pessoa tem um nariz com não sei quantos centímetros; a pele de certa tonalidade; ,mas ela olha para um conjunto de características, que faz com que essa pessoa seja lida como negra”.

Para Flavia, já que a subjetividade está interligada no processo, é preciso que os servidores responsáveis sejam qualificados. “Essas pessoas que estão na banca precisam entender a diversidade da negritude, que existe principalmente na Amazônia. É diferente ser negro na Bahia, no Rio Grande do Sul. Não existe um padrão”.

Gabriel Conrado, produtor de conteúdo digital e mestrando em ciência política, concorda que a banca é necessária para evitar as fraudes, mas pontua ainda é preciso que a academia aprofunde as discussões sobre o que é ser negro no Brasil, e como a negritude se manifesta nas diferentes regiões do país.

“O que falta é a discussão sobre a identidade negra brasileira, tem fatores comuns, como a cor da pele, outros traços negróides, mas o ser negro tem muda de região para região, e parece que a bancada examinadora está negando essa pluralidade”.

O influencer explica que já há o debate sobre a multiplicidade dos negros no continente africano, enquanto há “a negação da negritude amazônida”.

“Quando um negro vai para outra região, ele é visto como indígena, como ‘não negro’, e isso acontece pelo visto dentro da própria academia, que é o lugar onde se produz ciência, e que há muito tempo foi onde se estabelecem, e são fomentadas, muitas questões racistas, de desigualdade, como a gente vê até hoje casos de racismo dentro da própria instituição”.

Para Conrado, “no fim de tudo, mesmo com as cotas, as faculdades continuam extremamente embranquecidas; e ainda questionam sobre a legitimidade dessas cotas, o que já nem poderia haver pois é lei, e se deixa de entendê-las como ferramentas de mudança de realidade social, porque não querem juntar o filho do empregado ao filho do branco na universidade, porque não se admite que pessoas historicamente subjulgadas assumam postos de liderança na sociedade”.

Enquanto o imbróglio não se resolve, depois de ter sido indeferida, agora Clara busca as medidas para que consiga finalmente entrar no novo curso que escolheu na carreira. Nesta segunda-feira, ela foi até a UFPA solicitar acesso à justificativa pela negativa, o que deve levar de 20 a 30 dias.

“Vou correr atrás de um processo para garantir um direito meu, mas é um absurdo a negligência e o tratamento que as cotas estão tendo. Entrar pelo sistema não é esmola”.

Por:Jornal Folha do Progresso/Com informações do g1 Pará — Belém em 07/03/2023/10:52:34

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