Pesquisadores denunciam falta de transparência e caos na distribuição de terras no Pará

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 (Foto: Wenderson Araujo/CNA)  – Em 2010, o Conselho Nacional de Justiça determinou o cancelamento de 10.728 matriculas de propriedades irregulares distribuídas em 88 dos 144 municípios do Pará e registradas em cartórios. Somadas, essas áreas alcançavam 73% do território do estado e metade delas estavam em Altamira e São Félix do Xingu. Passados 12 anos, um estudo feito por pesquisadores da Universidade Federal do Pará e do instituto Imazon conseguiu identificar 332 destes imóveis e identificou um único caso de destinação de conhecimento público: a gleba Arraiolos, no município de Almeirim, de 386 mil hectares, parte da Fazenda Saracura, que havia sido titulada ilegalmente em nome da empresa Jari S/A, foi registrada em 2018 no nome do governo do Pará.

A pesquisadora Brenda Brito, do Imazon, explica que a identificação de apenas uma área agora regularizada reflete o caos fundiário do Pará, que acaba por beneficiar grileiros de terras públicas e desmatadores. As 332 propriedades identificadas foram localizadas no Sistema de Gestão Fundiária (Sigef) do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e somam 2,5 milhões de hectares.

Até 2020, 34% já havia sido desmatado, dos quais 77% são usados para agropecuária, e cerca de 60% ainda são florestas. Segundo Brenda, o Sistema de Cadastro Ambiental Rural do Pará (Sicar) deixou de ter dados abertos ao público desde 2018, o que impede que seja usado pela sociedade para consulta de dados de propriedades.

Para a pesquisadora, parte das cerca de 10 mil matrículas são propriedades fantasmas, que podem ter sido feitas apenas para que o suposto imóvel fosse dado em garantia a empréstimos bancários ou justificasse benefícios a proprietários rurais.

Outro problema é que tenham sido registradas em cartório com tamanho muito maior do que tinham na realidade, seja para permitir futuras ocupações de terras no entorno ou, ainda, justificar corte irregular de madeira em áreas de proteção ambiental. Mais recentemente, essas áreas podem, inclusive, dar origem a créditos de carbono, por exemplo.

— Registrar uma propriedade fantasma ou inflar o tamanho da área são fatos que existem na história fundiária da Amazônia. Muitas propriedades sequer têm georreferenciamento, e não se sabe se existem ou não — diz Brenda.

A decisão do CNJ teve como alvo propriedades que foram tituladas sem aprovação prévia do Congresso Nacional. Desde 1988, toda área acima de 2,5 mil hectares só pode ser titulada com aprovação dos congressistas. De 1934 a 1964, este limite era de 10 mil hectares. De 1964 a 1988, de 3 mil hectares. A determinação do CNJ abrange mesmo as áreas que tenham sido desmembradas para ficar com tamanho menor, mas que originalmente estavam acima do limite imposto pela lei.

O Pará tem metade de seu território formado por áreas protegidas. No ano passado, foi o estado que mais desmatou a floresta amazônica, eliminando 3.874 km² — 37% do total desmatado. Desde 2017, quintuplicou o desmatamento. De 2018 a 2022 foram destruídos 12.579 km² de florestas no estado. Este mês, o presidente Lula indicou o Pará para sediar a COP 30, a conferência climática das Nações Unidas prevista para 2025.

— É essencial que o Pará resolva o passivo de títulos falsos. Quando o CNJ determinou o cancelamento das matrículas, sequer se sabia quantos imóveis seriam alcançados pela medida e até hoje não há um sistema de dados transparente e de domínio público — diz Brenda.

Teoricamente, os cerca de 10 mil imóveis tiveram suas matrículas canceladas. Mas os proprietários poderiam provar que eram regulares e suspender a medida. Segundo Brenda, não se sabe quantas propriedades foram regularizadas, quantas permanecem bloqueadas, quantas eram fantasmas ou quantas acabaram comprovadamente identificadas como terras públicas, seja da União ou do governo do estado.

Para os pesquisadores, essas áreas podem ter continuado a serem usadas, a despeito da lei. Brenda afirma que o último recadastramento de imóveis rurais ocorreu em 2004. Agora, é possível identificar as imagens das áreas por satélite, o que pode ajudar a resolver a pendência.

— Enquanto não tiver transparência e definição de quais são as terras públicas vai perdurar a insegurança jurídica. Dentro dessas áreas podem estar diversas comunidades tradicionais, que têm prioridade na regularização das terras onde vivem — explica.

A pesquisadora afirma que uma lei do governo do Pará, de 2019, permite até mesmo que áreas sejam regularizadas sem licitação e ainda com desconto de 30% no valor a ser pago. Mas não há informações de quantos proprietários rurais estão se beneficiando dela.

Interpa: cabe à União retomar maioria das áreas irregulares

Procurado, o governo do Pará, por meio do Instituto de Terras do Pará (Interpa) afirmou, em nota, que 75% do território do estado está sob gestão do governo federal e as medidas de arrecadação, matrículas e retomadas de terras públicas competem exclusivamente aos órgãos públicos da União. Em relação aos 25% sob gestão do estado, o Interpa afirmou que, nos últimos quatro anos, o governo do Pará foi o que mais arrecadou e matriculou terras públicas estaduais no Brasil. Foram “4,1 milhões de hectares, o equivalente a quatro vezes o tamanho do território de Hong Kong, que permitiu que tornássemos o estado da Federação que mais titulou territórios quilombolas, comunidades tradicionais e agricultores familiares”, diz a nota.

Em relação à decisão tomada em 2010 pelo CNJ, o Iterpa afirmou que as áreas indicadas nas matrículas “não poderiam ser localizadas por não terem informações geoespaciais, prejudicando qualquer tentativa do poder público em utilizar esse material para as suas ações de arrecadação de terras ou retomadas. Já o estudo realizado pelo Tribunal de Justiça do Pará que resultou na medida do CJN “trouxe dados quantitativos do tamanho de área somadas no papel, mas não a localização das mesmas pela precariedade ou total falta de dados mínimos para localização”.

O Iterpa informou ainda que se colocou à disposição do governo federal para criar um Cadastro Único de terras no estado.

Fonte:O Globo
Por:Jornal Folha do Progresso em 31/01/2023/07:34:26

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