Sistema que Ibama quer contratar já foi descartado pelo PA e comprado por R$ 6 milhões por MT com verba internacional; entenda

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Ministro Ricardo Salles utilizou em 1º de agosto dados dos satélites Planet para criticar alertas do Inpe. — Foto: Reprodução/TV Brasil

Pará usou o sistema por um ano e decidiu não continuar. Mato Grosso começou a usar este mês e avalia experiência como ‘positiva’. Entenda as diferenças entre os satélites.

O governo federal quer contratar um sistema de monitoramento de florestas que já foi testado no Brasil. No estado do Pará, ele foi descartado com a alegação de que os sistemas já existentes atendem a demanda, enquanto em Mato Grosso ele foi comprado por R$ 6 milhões com verba internacional.

O lançamento de um edital pelo Ibama para contratar alertas diários, com cobertura mínima de 3 metros e fornecidos por uma empresa privada ocorre após o governo Bolsonaro lançar críticas e colocar em dúvidas os dados públicos já disponíveis.

A contratação é contestada por especialistas e ex-diretores do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), que afirmam que os sistemas já utilizados pelo Brasil são suficientes e têm como base satélites que fornecem imagens gratuitamente.

Afirmam ainda que há falta de recursos e que o país precisa investir em fiscalização em campo. O ministro Ricardo Salles defende que a contratação de imagens diárias e de alta resolução iriam se “somar” aos sistemas já utilizados pelo Inpe.

Segundo especialistas ouvidos pelo G1, as exigências técnicas do edital indicam que o único sistema de monitoramento de florestas que atende o edital é o fornecido pela empresa americana “Planet”, representada no Brasil pela “Santiago & Cintra Consultoria”. Este é o sistema que já foi testado pelo estado do Pará e atualmente vem sendo usado pelo Mato Grosso.

Testado no Pará e no Mato Grosso

O Pará contratou os serviços da Planet entre os anos 2017 e 2018, por um ano, mas o contrato não foi renovado. Segundo a Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade do estado, “o contrato com a Planet prevê apenas a utilização das imagens para a visualização do território paraense, sem análise de dados”.

O sistema foi testado gratuitamente, mas o governo do estado decidiu não contratá-lo em definitivo, avaliando que o serviço oferecido pelo Instituto Nacional de Pesquisas Aeroespaciais (Inpe), que é gratuito, já atendia as demandas para o monitoramento de florestas.

“Após analisar a qualidade dos dados gerados e avaliar o custo benefício do produto, a secretaria tomou a decisão de não realizar a compra por entender que os atuais sistemas disponibilizados pelo Inpe apresentam a qualidade e temporalidade necessárias, além de serem disponibilizados de forma gratuita pelo Instituto”, informou a Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Pará.

Já o estado do Mato Grosso acabou de começar a usar o serviço da Planet: o monitoramento iniciou neste mês de agosto. O estado também firmou contrato de um ano. Segundo a Secretaria de Meio Ambiente, até aqui, a experiência “está sendo positiva” e já ajudou a embasar ações de fiscalização.

Uma operação foi realizada com base nos alertas do sistema Planet entre os dias 13 e 17 de agosto, no município de Marcelândia e, segundo a secretaria, gerou multa de R$ 7,5 milhões. As principais agências de fiscalização do estado têm acesso ao serviço, como a Polícia Militar, os comitês de combate a queimadas e os institutos de pesquisa.

O sistema foi contratado pelo valor de R$ 5.980.200,00. “A plataforma foi adquirida pelo Programa REM, por meio do Fundo Brasileiro para a Biodiversidade (Funbio), com recursos da Alemanha e Reino Unido”, justifica o governo do estado.

O edital do Ibama

O edital é um “chamamento público” para “prospecção de empresas especializadas”, e não uma “licitação”. Embora sejam instrumentos parecidos, o chamamento público convoca somente Organizações da Sociedade Civil (OSC), isto é, instituições privadas e sem fins lucrativos.

Segundo a presidente da Comissão de Meio Ambiente da OAB-SP, Glaucia Savin, a prospecção não resulta, necessariamente, na contratação de um fornecedor. “O chamamento público existe para que o governo firme um termo de parceria com uma organização”, diz. “Não posso criar condições restritivas e inviabilizar a competição”, explica.

E, como afirma o doutor em direito ambiental e professor da Escola de Direito do Brasil (EDB), Rodrigo Jorge Moraes, quanto maior o número de participantes, melhor. “O processo existe para ter quantidade de candidatos e o governo poder escolher, entre as propostas, a melhor, a mais vantajosa tanto do ponto de vista econômico quanto técnico”, diz.

Neste caso, como se trata de uma “prospecção”, o edital do Ibama ainda não prevê a contratação de uma empresa. Eventuais candidatos têm 8 dias úteis, a contar do dia 21, para se apresentar. E o governo pode, depois disso, abrir uma licitação.

No caso de haver somente uma candidata, a Planet, o governo pode recorrer à chamada “inexigibilidade de licitação”. Se isso ocorre, o governo pode afirmar que somente um fornecedor é capaz de atender à sua demanda. A inexibilidade é prevista em lei quando é impossível promover livre competição entre os candidatos.

Entretanto, Glaucia Savin explica que a inexigibilidade precisa ser bem justificada. “Na hora em que você cria situações que limitam a competição, elas têm que estar muito bem embasadas. Tem que falar: sem isso eu não consigo atingir tal e qual objetivo.”

Caso essa justificativa não fique clara, o edital pode ser questionado pelo Tribunal de Contas da União (TCU) ou pelo Ministério Público (MP).

A pedido do G1, o TCU informou que, até o momento, não há nenhuma investigação em andamento sobre esse edital do Ibama. “O TCU só se manifesta sobre assuntos que estejam em análise. Lembramos que o Tribunal pode ser acionado a qualquer momento sobre possíveis irregularidades”, afirmou, em nota.

De acordo com Rodrigo Jorge Moraes, para se comprovar que há direcionamento em uma licitação, seria preciso demonstrar isso com critérios técnicos.

O G1 entrou em contato com a “Santiago & Cintra Consultoria” e com o Ibama/Ministério do Meio Ambiente, mas não obteve resposta.

Diferenças entre o Planet e outros satélites

De acordo com especialistas em monitoramento florestal, dois aspectos técnicos do edital do Ibama indicam o serviço da Planet:

A exigência de que a produção de imagens seja diária;
A exigência de que a área mínima coberta seja de 3,0 metros “ou melhor”.

Essas são características técnicas dos satélites que monitoram desmatamento em florestas. A “resolução temporal” é o período de tempo que o satélite demora para observar uma mesma área da Terra; e a “resolução espacial” corresponde ao tamanho da área mínima que o satélite consegue observar.

O sistema da Planet é o único que fornece imagens diárias e consegue visualizar distâncias a partir de 3 metros. Por outro lado, a qualidade das imagens de seus microssatélites é menor do que a dos satélites maiores e mais complexos.

Os dados de desmatamento produzidos hoje no Brasil fazem uma combinação das informações de vários satélites. Veja na tabela abaixo um resumo de suas características.

Características dos principais satélites para monitoramento florestal
SISTEMA     SENSOR     ORIGEM     VISUALIZAÇÃO     PERÍODO DE COBERTURA     ACESSO
Landsat     OLI/ETM     EUA     A partir de 30 metros     8-16 dias     Gratuito
CBERS     WFI     China e Brasil     A partir de 55 metros     5 dias     Gratuito
Resourcesat     AWiFS     Índia     A partir de 56 metros     5 dias     Gratuito
Sentinel-2     MSI     Europa     A partir de 10-20 metros     5 dias     Gratuito
Planet (Planetscope)     –     EUA     A partir de 3 metros     Diário     Pago
Fonte: Mapbiomas e Agrosatélite

Marcos Reis Rosa, coordenador técnico do projeto Mapbiomas, que usa dados produzidos pela Planet em suas atividades, explica que esse sistema tem mais de 120 microssatélites espalhados na órbita da Terra, e do tamanho de uma caixa de sapato.

“A vantagens do Planet são aproximação maior e imagens diárias”, afirma Reis Rosa. “Se você tem imagens todo dia, a chance de ter uma imagem sem nuvem é maior”, explica.

As nuvens são o principal obstáculo na observação de territórios por meio de satélites, porque impedem o sensor do satélite de enxergar a superfície. Quanto mais frequentes as imagens, maior a chance de ver a mesma área sem nuvens.

O diretor executivo da Agrosatélite Geotecnologia, Bernardo Rudorff, que trabalhou durante 30 anos no Inpe, concorda que a frequência maior de observação ajuda a superar o problema das nuvens.

“O desmatamento acontece de forma muito rápida, por isso é interessante. Mas observar a cada 5 dias é mais do que suficiente. Não precisaríamos de imagens diárias”, pondera.

Custo-benefício

O sistema Planet é o único pago entre os satélites disponíveis. Segundo uma fonte ouvida pelo G1, no plano mais básico do serviço de monitoramento da Planet, a contratação custa de 1 a 2 dólares por km², mas esse valor varia conforme a quantidade de km² contratados.

No caso do edital do Ibama, a exigência é de 1 milhão de km² e um pacote seria contratado para que o Ibama possa acessar o sistema pelo período de um ano. Considerando que a área do Mato Grosso é de 903,4 mil km² e o preço cobrado foi de R$ 5,98 milhões, é possível afirmar que a Planet cobraria do Ibama um valor próximo disso.

Segundo Marcos Reis Rosa, o que precisa ser avaliado antes de se contratar um novo sistema como o da Planet é se o Ibama realmente precisa de mais precisão nas imagens para que possa produzir alertas de desmatamento e realizar estratégias de fiscalização.

“Saber com mais detalhe onde está ocorrendo desmatamento não é, necessariamente, uma forma de reduzir o desmatamento”, comenta. “Para atuar na fiscalização, os sistemas de satélites que temos hoje [usados pelo Inpe nos dados do Deter e do Prodes] são mais que suficientes.”

Reis Rosa observa que as falhas, hoje, estão nos sistemas de fiscalização, que têm poucos recursos para fazer a visita às áreas afetadas por desmatamentos e queimadas.

De acordo com Bernardo Rudorff, “não adianta ficar procurando formiguinha” nas áreas desmatadas, mas “é preciso ir atrás dos grandes, dos elefantes”.

“Não é preciso criticar a Planet, que tem um bom sistema. Basta dizer que o trabalho realizado pelo Inpe há décadas deve ser respeitado. Claro, há sempre espaço para melhorar. Mas o que precisamos hoje é de uma inteligência territorial [de fiscalização] associada ao monitoramento de florestas”, diz.

Por Filipe Domingues, G1

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