Brasil aposta tudo no maior evento de mineração do mundo

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Se nunca foi exatamente coadjuvante, nos últimos anos o Brasil passou a ser um país chave no maior evento de mineração do mundo, o PDAC, realizado no Canadá.

Em 2019, primeiro ano do governo Bolsonaro, o Brasil patrocinou o evento de forma inédita e o lema da comitiva foi “World Class Exploration Opportunities”, um convite aberto a multinacionais. Mineração em terras indígenas também esteve em pauta.

Em 2020, ainda mais incisivo, o governo Bolsonaro promoveu o “Brazilian Mining Day”, apresentando ao mundo “tudo o que já foi feito para abrir caminho para uma nova era para as atividades de mineração no Brasil”.

E a participação em 2021 confirma a aposta total na desregulamentação absoluta, a agilidade na concessão de licenças pela Agência Nacional de Mineração, o aumento de instrumentos financeiros oferecidos pelo governo e as “parcerias” com grandes mineradoras para explorar esses “ativos de classe mundial”.

Mostro, a seguir, como esse balcão de negócios no Canadá impacta diretamente a realidade brasileira para os próximos anos e como isso está ligado a projetos e movimentações da cúpula do governo federal, incluindo Bolsonaro, o Ministério de Minas e Energia, a Agência Nacional de Mineração, o BNDES e outros.

Mercado em festa e R$ 25 bilhões do BNDES

O Instituto Brasileiro de Mineração (IBRAM), que representa as maiores empresas do setor, anuncia com ênfase que “o mercado financeiro vê com bons olhos o modelo de revisão regulatória e legal da indústria mineral brasileira, implantado e em curso pela Agência

Nacional de Mineração (ANM), para reduzir a burocracia”.

Entre os resultados, menores prazos para a concessão de licenças, como até 34 dias para aprovar um alvará de pesquisa se a área de interesse estiver livre. Os leilões prometidos para até 2022, que devem atrair até R$ 3 bilhões. E a possibilidade de usar terrenos como garantia para financiamentos, uma “reivindicação antiga dos investidores do setor” que está em fase final de discussão pela ANM.

Comandado por Gustavo Montezano, amigo de Eduardo e Flávio Bolsonaro, o BNDES já liberou mais de R$ 25 bilhões em crédito e deu suporte para investimentos de R$ 90 bilhões no setor mineral.

Um representante da XP Investimentos comemora que as “mudanças estruturais” do Brasil pode ser “uma oportunidade para todos os tipos de empresas de mineração nacionais”. Para um porta-voz da Cescon Barrieu, “o trabalho de vanguarda que a ANM tem feito no Brasil tem chamado a atenção de investidores canadenses”.
35 mil novas áreas. Tapajós na mira.

O PDAC também debateu a oferta, até 2022, de 35 mil áreas e oito blocos para pesquisa mineral que, na visão do governo e do mercado, foram pouco explorados ou ficaram “trancados” durante décadas, sem “qualquer movimentação devido à burocracia”.

Além de Carajás (PA), maior mina de minério de ferro do mundo, explorada pela Vale e do Quadrilátero Ferrífero em Minas Gerais, área que engloba algumas das principais cidades mineradoras do país, caso de Mariana e Brumadinho, onde as barragens se romperam, a expectativa é de alcançar novas terras, com destaque para o ouro, metal que vem batendo cotação recorde.

“Na próxima oferta pública, teremos áreas importantes que ainda estão disponíveis, como por exemplo na província mineral do Tapajós”, declarou Anderson Dourado, do Serviço Geológico do Brasil.

Outra área “emergente” que, segundo o IBRAM, pode guardar “boas surpresas” para os investidores é a província mineral da Alta Floresta (Juruena- Teles Pires), no norte do Mato Grosso e Sul do Pará, que tem potencial para descobertas não somente de ouro, mas também para cobre, chumbo e zinco. Juntas, elas têm o maior número de áreas em exploração por hectare no país.

Cercado de unidades de conservação e terras indígenas, a área já é alvo de mega projetos controversos, como hidrelétricas.
Nova “corrida pelo ouro”

Atualmente, o Brasil é o 13º maior produtor de ouro mundial com 89 toneladas (2019) extraídos de 62 depósitos. Temos aproximadamente 4.500 permissões ou licenças para pesquisas para ouro. Em 2020, a onça chegou a US$ 2 mil e o metal movimentou US$ 5 bilhões de dólares/ano.

Como o preço tem se mantido em alta, a nova “corrida pelo ouro” nacional é uma “oportunidade de investimento” que deve ser considerada, acredita uma especialista da UFMG.

“A produção de ouro vai cair em 2021 e não sabemos quanto tempo mais o preço vai se manter em alta. Temos o desafio de substituir a produção das minas profundas de ouro, como a Cuiabá (Sabará – MG), ou mesmo a de céu aberto de Paracatu (MG), por inúmeras de médio porte, com capacidade produtiva em tempo hábil para aproveitar o bom momento do metal”, afirmou. Para ela, é preciso que as empresas deixem a “zona de conforto” para encontrar novas áreas.

Se o mercado oficial de ouro está em alta, o mesmo acontece nos garimpos ilegais, que explodiram na Amazônia nos últimos anos e colocam o Brasil e o planeta em risco.

A Amazônia brasileira tem 2.576 focos de garimpo ilegal, segundo levantamento recente. Isso alcança pelo menos 17% das áreas protegidas e 10% das terras indígenas da região amazônica.

As estimativas indicam que a mineração ilegal de ouro movimenta até R$ 28 bilhões por ano no mundo. A contribuição do garimpo para as taxas de desmatamento em territórios indígenas na Amazônia aumentou de 4%, em 2017, para 23% em junho de 2020, de acordo com o Sistema de Detecção do Desmatamento em Tempo Real (Deter).

Só no caso da bacia do Tapajós, maior área de mineração ilegal do Brasil, imagens de satélite localizaram 4.700 pontos de garimpo em 2020, contra 2.700 em 2016.

Enquanto isso, 3,8 milhões de hectares de Unidades de Conservação e 2,4 milhões de hectares de Terras Indígenas estão ameaçadas pela busca formal pela extração do ouro na Amazônia, de acordo com 2.113 pedidos de pesquisa registrados na ANM.

O Instituto Escolhas lançou uma campanha para chamar a atenção para a lavagem de dinheiro que utiliza o ouro e a origem ilegal de boa parte do metal que circula no Brasil.

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Terras indígenas e faixas de fronteira

As negociações para avançar sobre terras indígenas e faixas de fronteira seguem avançadas, com o lobby influenciando diretamente no resultado. E o governo não faz questão nenhuma de esconder, pelo contrário.

Um projeto em curso – no PL 191/2020 – pelo governo federal é a ampliação do acesso a recursos minerais nestas localidades. “O Brasil tem cerca de 40% com algum entrave para a atividade mineral. Vamos avançar na regulamentação de atividades produtivas nessas áreas”, afirmou o ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque.

Com essas mudanças, a expectativa é alcançar US$ 38 bilhões em investimentos até 2024. Para Wilson Brumer, presidente do Conselho Diretor do IBRAM, o maior “desafio” da indústria de mineração no Brasil é encontrar caminhos para expandir a exploração mineral. “É uma oportunidade para os investidores em parceria com pequenas e médias empresas brasileiras de mineração para explorar o vasto e inexplorado potencial mineral em todo o país.”

1 bilhão de toneladas de minerais e ANM a serviço do mercado

A indústria mineral brasileira teve o melhor desempenho entre setores econômicos, no contexto da pandemia, com crescimento em todos os Estados. As exportações aumentaram 11% e atingiram R$ 37 bilhões, com 371 milhões de toneladas em remessas. No total, foram produzidos mais de 1 bilhão de toneladas de minerais.

Mostrei sistematicamente aqui no Observatório como esses números foram alcançados: às custas dos milhares de trabalhadores entregues à própria sorte.

E a ANM se coloca à inteira disposição das empresas. A agência estaria passando por um processo de “consolidação” e “desburocratização”. “Hoje temos 50 mil áreas represadas por conta da legislação, mas acredito que a oferta pública SOPLE, que está no terceiro edital com ofertas diárias, vai resolver o problema da burocratização”, disse a diretora da ANM, Débora Puccini.

Executivos celebram a “simbiose com o governo”

Os relatos de executivos de mineradoras que participaram do PDAC revelam a total “simbiose” com o governo federal, que age como um autêntico e escancarado representante do setor, descumprindo a sua função de regular, observar as leis e buscar o melhor para a sociedade em geral, o que nem sempre é o mesmo para o mercado.

O CEO da Equinox Gold, Christian Milau, mineradora canadense responsável por uma barragem que transbordou e deixou milhares de pessoas sem água no Maranhão, disse que “há muito menos perguntas sobre o Brasil em relação à política ou riscos jurisdicionais do que no passado”.

David Strang, CEO da Ero Copper, observou o crescente interesse do governo em tentar continuamente “melhorar os processos burocráticos” e “encontrar soluções” para as mineradoras. “É sempre vantajoso quando temos esse tipo de relação simbiótica com o governo”, disse.

O diretor-presidente da Lara Exploration, Miles Thompson, disse que a criação da Agência Nacional de Mineração (ANM) revigorou o processo regulatório e a descentralização do licenciamento ambiental permitiu às empresas trabalharem mais estreitamente com os reguladores. “Nunca trabalhei em um ambiente onde os reguladores, as autoridades fossem tão proativos”, afirmou.

Mike Mutchler, presidente e CEO da Amarillo Gold, comentou que o processo de licenciamento para novos projetos foi simplificado no Brasil. Ele mencionou que costumava enfrentar um processo de licenciamento dividido para diferentes componentes do projeto no passado, e agora foram agregados em uma licença principal.

Para o CEO da Sigma Lithium, Calvyn Gardner, o governo brasileiro mudou definitivamente quando se trata de agências regulatórias ambientais e de regulação da mineração nos últimos anos, “e isso é realmente positivo para qualquer novo investimento no país”.

“Simbiose” na prática

Todo esse discurso está ancorado em fatos recentes. Além do projeto de lei que libera mineração em terras indígenas encaminhado ao Congresso, mostrei aqui o decreto publicado por Jair Bolsonaro, Paulo Guedes e Bento Albuquerque que define que minerais considerados estratégicos ganharão tratamento especial no governo.

Estes minerais agora estão inseridos dentro do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) e serão analisados por um Comitê que não terá a opinião do Ministério do Meio Ambiente nem de qualquer Conselho ambiental ou de representantes da sociedade civil.

Há também as 110 metas do Programa Mineração e Desenvolvimento (PMD), lançado no fim de 2020, que foi literalmente ditado por associações representativas do setor mineral, conforme documentos obtidos.

Entre outras iniciativas, a ANM está finalizando uma prometida “guilhotina regulatória” para a mineração em parceria com a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

Por:Maurício Angelo

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