Enlaces precoces tornam crianças escravas de maridos estupradores no Pará

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Casamentos entre adultos e adolescentes – por vezes até crianças – são uma triste realidade principalmente nos municípios do interior do estado  – (Foto:Reprodução)

Os casos de estupro de vulnerável ainda se mostram uma triste realidade a ser combatida no Pará, segundo mostram dados divulgados pela Divisão de Estatística da Polícia Civil do Estado do Pará – (DIVEST-PC/PA). Em 2019, foram registrados 1140 casos. Em 2020, as ocorrências foram 932. Em 2021, apenas de janeiro até 14 de abril, já foram 860 registros. Os números, entretanto, agregam ainda uma triste especificidade: quando os crimes ocorreram por “casamentos” entre adultos e adolescentes, por vezes até crianças.

A dificuldade de filtrar ocorrências deste tipo faz com que os dados ainda sejam desconhecidos no Pará. Entretanto, uma curta viagem a algum município do interior paraense demonstra que a realidade está longe de ser inexistente e é, pelo contrário, até banalizada em certas localidades.

Um dos casos mais recentes ocorreu neste mês. No último dia 7 de abril, um homem foi preso em flagrante pelo crime de estupro de vulnerável, em Bragança, no nordeste paraense. Ele era “casado” com uma criança de 11 anos e confessou o ato criminoso.

Diretora da Delegacia Especializada No Atendimento À Criança E Adolescente (Deaca/CPC), a delegada Cristina Maria Bastos estima que a porcentagem de ocorrências em que há uma espécie de convívio matrimonial entre abusadores e vítimas é bem mais expressiva nos municípios de fora da Grande Belém. “Na cidade, esses casos não chegam a 10% dos atendimentos que chegam até a delegacia especializada. Já no interior e nas Ilhas, nós temos um índice um pouco maior desse tipo de crime, que apresenta a característica de estabilidade entre o autor e a vítima”, explica.

 

policiaDelegada Cristina Maria Bastos, diretora da Delegacia Especializada No Atendimento À Criança E Adolescente (Deaca/CPC) (Akira Onuma / O Liberal)

A triste realidade também é cruel, geralmente, com o gênero feminino. “O problema atinge principalmente as meninas, que são mais de 90% dos casos, quando comparado a meninos que se casam antes da maioridade. Elas normalmente são bem mais novas”, pontua. Segundo a delegada, a justificativa pode estar na demora das atualizações. “O atraso na legislação brasileira colocou a vida de muitos menores de idade em risco. Essa previsão antiga do Código Civil revela um conservadorismo e uma naturalização da violência sexual, que infelizmente não é uma realidade apenas local. O mundo ainda vive essa perversidade”, critica.

“Problema atinge principalmente as meninas, que são mais de 90% dos casos”, detalha a delegada Cristina Maria Bastos

Para ela, a denúncia é crucial em casos como esses. “Não há normalidade em relações sexuais-afetivas de convivência entre crianças e adolescentes menores de 14 anos, seja com adultos ou adolescentes. O que há é crime. Quando a Polícia toma conhecimento, essa vítima recebe os encaminhamentos necessários, para atendimento psicológico, pericial e policial”, destaca.
Casamento de menores de 16 anos só foi proibido em 2019, explica magistrada

A juíza da 1ª Vara de Crimes Contra Crianças e Adolescentes de Belém, Mônica Maciel Soares Fonseca, conta que foi só em 2019, com a lei 13.811, que o casamento de pessoas que não atingiram a idade núbil, ou seja, menores de 16 anos, foi proibido por expressa vedação legal. Antes disso, o casamento era permitido “para evitar imposição ou cumprimento de pena criminal ou em caso de gravidez”.

Há menos de duas décadas, o autor do estupro ainda poderia ser isento de punibilidade. “Até 2005, antes da lei 11.106 – que revogou a previsão do art. 107, incisos VII e VIII do Código Penal – havia a possibilidade de extinguir a punibilidade se o agressor se casasse com a vítima ou em caso de gravidez de menor de 16 anos”, detalha.

juizaJuíza Mônica Maciel Soares Fonseca, titular da 1ª Vara de Crimes Contra Crianças e Adolescentes de Belém (Ricardo Lima/ TJPA)

Apesar das alterações, a prática ainda é comum. “Infelizmente, ainda é uma realidade, não somente em nosso estado, mas em nosso país. É importante destacar que o casamento precoce, de menores de 18 anos, não é benéfico por levar, em geral, à evasão escolar e à interrupção dos estudos, ante a responsabilidade assumida com a constituição de família. Devemos também levar em conta os riscos de uma gravidez precoce, ainda na adolescência, com 13, 14 anos, o que pode levar até ao óbito dessa adolescente”, aponta a juíza.

A magistrada – que também é idealizadora do projeto “Minha Escola, Meu Refúgio”, realizado pela 1ª Vara desde 2014 para o combate ao abuso sexual de crianças e adolescentes nos municípios do Pará – enfatiza ainda que a realidade socioeconômica e cultural agrava o quadro da exploração e naturalização.

“Mesmo que o abusador passe a conviver com a vítima, isso não exclui a responsabilidade penal”, enfatiza a juíza Mônica Maciel

“No Marajó, encontramos uma realidade ainda mais difícil, com a banalização, naturalização pela sociedade do abuso e da exploração sexual de crianças e adolescentes. Como pais que violentam filhas e, após estas engravidarem, abusam da neta, que também é filha”, exemplifica. “Mesmo que o abusador passe a conviver com a vítima, isso não exclui a responsabilidade penal”, enfatiza.
Relações iniciam com manipulação, explica psicóloga

Especialista em desenvolvimento infantil e psicóloga das Varas de Criança e Adolescente de Belém, Mayra Lopes destaca que o relacionamento entre abusadores e vítima começa a partir da manipulação e é por isso que, em determinados casos, existe a ideia de que os agressores são “amados”.

“As vítimas são seduzidas, manipuladas, são levadas a acreditar que estão vivenciando um relacionamento legal, onde são olhadas e vistas com interesse. Some a isso a adolescência, que é uma fase de explosão hormonal e descobertas, mais a falta de experiência de vida: aí você tem um terreno fértil para que a vítima tenha sentimentos bons pelo seu algoz. É importante lembrar que até pessoas adultas estão suscetíveis a enganos, imagina as crianças e os adolescentes. São alvos fáceis”, pontua.

psicologa Psicóloga Mayra Lopes é especialista em desenvolvimento infantil e atua nas Varas de Criança e Adolescente de Belém (Cláudia Pinheiro)

A sedução também pode ser feita com os próprios familiares da vítima, o que justifica que, por vezes, os adultos que cercam a pessoa violada não consigam perceber a problemática da situação. “É importante destacar que essas relações desproporcionais muitas vezes não são encaradas como abusivas. A estratégia não é usada somente com a vítima, mas toda a família é seduzida e manipulada para aceitar que ele cometa o crime”, comenta.

“É importante lembrar que até pessoas adultas estão suscetíveis a enganos, imagina as crianças e os adolescentes”, salienta a psicóloga Mayra Lopes

Segundo ela, problemas como machismo e desinformação também contribuem para que casos deste tipo sejam normalizados, além da necessidade financeira do ciclo familiar. “(…) seria uma despesa a menos, já que o adulto supostamente assumiria o sustento da parceira”, conclui.
Canais de denúncia

Crimes deste tipo podem e devem ser denunciados às autoridades policiais pelo Disque-Denúncia (181) ou Centro Integrado de Operações (190). Não é necessário se identificar e a ligação é gratuita.

Em Belém, o atendimento da Delegacia Especializada é feito nos seguintes endereços: na Santa Casa, localizada na R. Bernal do Couto, 988, e também pelo email deacasantacasa@gmail.com; na sede do Centro de Perícias Científicas Renato Chaves, na Rodovia Transmangueirão, s/n e pelo deacacpc@gmail.com.

Já em Ananindeua, o atendimento é feito na rodovia Mário Covas, 50, e também por meio do email deacaananindeua@gmail.com.

Por:Ana Carolina Matos

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